LIVROS
Coleção Santander Brasil: Artes Visuais 1982-2023
Autor: Vários Autores
Ano: 2023
Páginas: 513
Coleção Luiz Carlos Ritter
Autor: Max Perlingeiro (Organizador)
Editora: Edições Pinakotheke
Ano: 2022
Páginas: 301
Forming Abstraction - Studies on Latin American Art
Autor: Adele Neslon
Editora: University of California Press
Ano: 2022
Páginas: 369
Sur Moderno
Autor: Inés Katzenstein e Maria Amália Garcia
Editora: MoMa - Museum of Modern Art New York
Ano: 2019
Páginas: 224
Coleção Fundação Edson Queiroz
Autor: Coordenação Max Perlingeiro
Editora: Pinakotheke
Ano: 2019
Antonio Maluf - Construções de uma Equação
Autor: Fabio Magalhães
Editora: Galeria Frente
Ano: 2016
Páginas: 167
Antonio Maluf - Singular e Plural
Autor: Celso Fioravante
Editora: Diferente Marketing
Ano: 2016
Disponível em estoque
Antropofagia y Modernidad - Arte brasileño en la coleción Fadel
Autor: Victoria Giraudo
Editora: MALBA - Museo de Artes de Buenos Aires
Ano: 2016
Páginas: 165
Projeto Construtivo Brasileiro na Arte
Autor: Supervisão Aracy Amaral
Editora: Pinacoteca do Estado de São Paulo
Ano: 2014
Páginas: 358
Brasil Design Visual - Alexandre Wollner
Autor: Diversos
Editora: Museum Angewandte Kunst
Ano: 2014
Páginas: 323
Paralelos Concretos - Construtivismo Britânico, Concretismo e Neoconcretismo Brasileiro
Autor: Maria Alice Millet e outros
Ano: 2013
Páginas: 371
Cold America - Geometric Abstraction in Latin America (1934-1973)
Autor: Osbel Suarez
Editora: Fundación Juan March
Ano: 2011
Páginas: 504
Pincelada: Pintura e Método
Autor: Paulo Herkenhoff
Editora: Editorial Tomie Ohtake
Ano: 2009
Páginas: 384
Antonio Maluf: Arte concreta na arquitetura moderna paulista
Autor: Stella Elia Martins Santiago
Editora: Universidade de São Paulo
Ano: 2009
Páginas: 170
Conteúdo disponível no link: https://1drv.ms/b/s!AuItCCFfkdxFjwTks9D7RFrGGIHS?e=Jd3lFT
A Cultura do Cartaz - Meio Século de Cartazes Brasileiros
Autor: Paulo Moreto
Editora: Instituto Tomie Ohtake
Ano: 2008
Páginas: 48
A arte concreta de Antonio Maluf e sua relação com design: análise dinâmica da linguagem visual de vinte obras
Autor: Maria Heloisa Moreira Marmo
Editora: USP - Universidade de São Paulo
Ano: 2007
Páginas: 90
Conteúdo disponível no link: https://1drv.ms/b/s!AuItCCFfkdxFimOA7Ds6iOqRIVOh?e=5IRhIY
Lo[s] Cinético[s]
Autor: Osbel Suares
Editora: Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofia
Ano: 2007
Páginas: 276
Presença
Autor: Juan Esteves
Editora: Terceiro Nome
Ano: 2006
Páginas: 207
Concreta '56 a raiz da forma
Autor: Diversos
Editora: MAM - Museu de Arte Moderna de São Paulo
Ano: 2006
Páginas: 310
Arte Concreta Paulista
Autor: Organização Joao Bandeira
Editora: Cosac & Naify
Ano: 2002
Páginas: 96
Construtivismo
Autor: George Rickey
Editora: Cosac & Naify
Ano: 2002
ANTONIO MALUF
Autor: Regina Teixeira de Barros
Editora: COSAC NAIFY
Ano: 2002
Disponível em estoque
Linha do tempo do design gráfico
no Brasil
Autor: Chico Homem de Melo e
Elaine de Ramos
Editora: COSAC NAIFY
Ano: 2001
Catálogo da I Bienal Internacional de São Paulo
Autor: Fundação Bienal
Ano: 1951
TEXTOS CRÍTICOS
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24/10/2017 - Texto Crítico da exposição: "Arte Cinética Latino Americana"
Panorama sobre a arte cinética na América Latina
Por Felipe Scovino
Panorama sobre a arte cinética na América Latina
Por Felipe Scovino
"Panorama sobre a arte cinética na América Latina"
Felipe Scovino
O recorte para essa exposição possui mais uma particularidade além de estarem sendo apresentadas obras de arte cinéticas produzidas por artistas latino-americanos. Outro ponto de inflexão é o fato que o início da produção de arte cinética nas Américas coincide com o processo de modernização de grande parte desse continente. A mostra reúne a produção de três países (Argentina, Brasil e Venezuela) que entre os anos 1950 e 1970 passaram por profundos processos de industrialização, alargamento de políticas de importação, reformas amplas de infraestrutura em seus núcleos urbanos, diferentes práticas de uma arquitetura moderna e um desenvolvimento nunca antes visto na América Latina. Essa política de aporte financeiro e prosperidade – que pode ser exemplificada na construção de Brasília e no Plano de Metas (“50 anos em 5”) de Juscelino Kubitschek, ou na indústria petrolífera venezuelana ou ainda na rica vida cultural de Buenos Aires – possibilita um campo frutífero para as artes. Entre o fim dos anos 40 e o início dos anos 50 no Brasil assistimos a um amplo processo de institucionalização das artes com a fundação dos primeiros museus de arte moderna no Rio de Janeiro e em São Paulo (1948), além do MASP (1947) e da I Bienal de São Paulo (1951). Esta rede institucional permitiu a realização de importantes mostras de artistas internacionais no país, desde Calder a Picasso, passando pela importante mostra Pop na Bienal de 67, assim como possibilitou a emergência de uma nova geração de artistas brasileiros. E é aqui que se encontram os cinéticos. Desde 1950, Palatnik desenvolvia os seus Aparelhos cinecromáticos. O fascínio pelo movimento do jogo de luzes e o aspecto lúdico que o Cinecromático possui não podem mascarar uma importância que é singular nessa obra: não apenas marca o pioneirismo da arte cinética no mundo, mas essa invenção dialoga intensamente com a produção cinética na Europa e na América do Sul, particularmente na Argentina e na Venezuela, assim como amplia o conceito de pintura.
Em 1948, Mary Vieira realiza seus Polivolumes, torres vazadas, feitas em alumínio anodizado, formadas por semicírculos móveis em que o espectador, agora transformado em participante, escolhe a posição destes. Essas estruturas são móveis apenas no sentido horizontal. Se nos Aparelhos cinecromáticos e nos Objetos Cinéticos de Palatnik, o movimento e a participação se dão de forma autônoma em relação ao espectador – o que não acontecerá nas suas pinturas de matriz construtiva, a série W apresentada nessa mostra, já que a mobilidade do espectador frente a elas causa uma nova proposta para a ideia de movimento, dinâmica, e confronta a suposta rigidez que uma pintura teria –, os Polivolumes anteciparam de certa forma questões encontradas nos Bichos (1959-1964) de Lygia Clark. Nesses dois últimos exemplos, a obra é o molde para a nossa vontade.
O que temos nessa mostra, referindo ao campo de produção da arte brasileira, é a reunião de 4 artistas que tiveram participação fundamental no processo de pensar a simbologia do moderno. Abraham Palatnik, Antonio Maluf, Sérvulo Esmeraldo e Ubi Bava, cada um a seu modo, constituíram uma aproximação entre arte e ciência e pavimentaram a arte cinética no país.
No caso Relevo progressivo (série realizada a partir dos anos 1960) de Palatnik, o sequenciamento dos cortes na superfície do material – cartão – cria camadas ou ondas que variam dependendo da profundidade e localização do corte. O uso do papel-cartão leva à execução de ritmos e sinuosidades de grande impacto visual. Relevos também se desmembrou a partir dos anos 1990 na série W. Saiu o cartão ou o metal e entrou a tinta acrílica. O artista pinta telas abstratas que servem como ‘base’ para as futuras pinturas cinéticas. Num segundo estágio, o corte a laser fatia a pintura em réguas finíssimas. Depois, movimentando as varetas do ‘quadro fatiado’ no sentido vertical, ‘desenhando’ o futuro trabalho, o artista constrói um ritmo progressivo da forma, conjugando expansão e dinâmica visual. É importante destacar que o caráter cinético dessas obras se dá pela forma em como o espectador se coloca defronte a obra, isto é, a cada mudança de perspectiva dele, a pintura cria novas percepções e imagens.
Antonio Maluf foi o autor do cartaz da I Bienal de São Paulo. Artigo raríssimo em exposições, esse cartaz é um dos marcos do design brasileiro e das experimentações artísticas daquele momento. Os elementos estruturais do desenho, feito em três versões, reiteram e enfatizam o formato retangular do suporte. À medida que são reduzidos, os retângulos se adensam em direção ao centro do papel, projetando uma perspectiva tanto espacial quanto temporal. Todo esse conjunto de elementos é integrado ao formato do cartaz e o movimento das linhas paralelas, em duas cores, resultantes do seu perímetro, permite uma vibrante miragem óptica. Figura e fundo não conseguem diferenciar-se, são alternâncias constantes.
Maluf ainda dará início, na década de 1950, à produção das séries Progressões crescentes e decrescentes e Equação dos desenvolvimentos em progressões crescentes e decrescentes, realizadas em guache sobre papel, num primeiro momento, e depois com tinta acrílica sobre madeira. Nesse conjunto percebemos que a linha é transformada, por ilusão óptica, em vibração, o material em energia. Quando o espectador se movimenta diante destas obras, o fundo fragmenta a linha de cores, de modo que ele se apresenta como uma série de pequenos pontos flutuando no espaço. Eis a matemática se metamorfoseando em estruturas vibratórias a serviço de uma nova experiência de mundo para o sujeito. Em Equação dos desenvolvimentos (década de 1980), o artista elimina a dimensão física do quadro, privilegiando as construções gráficas. O exercício cinético, provocado pela repetição em série de estruturas monocromáticas, explora processos perceptivos de criação e recriação da forma (tem-se a sensação de multiplicação de quadrados num regime de tempo e espaço interminável).
Na série Homenagem ao espectador, realizada ao longo dos anos 1970, Ubi Bava adotou uma forma de experimentação utilizando superfícies construídas com espelhos ou unidades visuais modulares que captam o ambiente e a imagem do espectador. Os limites do círculo e a sua capacidade de reflexão são as unidades motoras do artista. Ademais, não há a preocupação apenas, como se isso fosse pouco, em experimentar novas capacidades cinéticas e propor a participação do espectador como um sujeito ativo e constituinte da obra, mas também a percepção em construir e organizar um estado pictórico. Esta analogia se faz presente na escolha e na ordem com que compõe os espelhos multicoloridos sobre o acrílico. Há o pensamento de um pintor articulando formas e cores naquela superfície.
E737, de Sérvulo Esmeraldo, é um exemplar dos mais importantes da sua icônica série Excitáveis. Produzida a partir de 1964, essa série é formada por caixas-objeto, feitas em acrílico, com elementos movimentados por eletricidade estática gerada pelo espectador quando a superfície da obra é tocada. Esmeraldo resolvia simultaneamente os desafios de fazer uma arte de participação do espectador e de estabelecer uma linguagem cinética sensível. Excitáveis retorna à problemática do acaso: a repetição exata de movimento, por mais complexa que seja, torna-se monótona na ideia do artista. Deve ser exercido algum controle. Isso é geralmente obtido pela descoberta de alguma relação entre os elementos nas caixas que se mantêm constantes no decurso de toda e qualquer variação de movimento. Excitável, aqui, diz respeito à ação de colocar em movimento. Como afirma Matthieu Poirier, “cabe ao espectador a função de carregar negativamente a obra, esfregando vigorosamente a mão na superfície da caixa, fazendo que a tal superfície atraia e tire da inércia as diversas linhas cuja carga é positiva.”[1] Essa ação do espectador desorganiza a ordem pré-estabelecida; o que era razão transforma-se em caos. De forma efêmera, criando um tempo próprio de nova aparição e organização para a obra, o gesto do espectador articula uma poderosa ligação entre arte e ciência, e ainda entre o que existe e não necessariamente é visto a olho nu, como novamente afirma Poirier: “Disfarçada pela impressão unicamente telecinética de produzir o deslocamento de objetos a distância, a obra nos torna conscientes da capacidade motriz das forças elétricas invisíveis que nos circundam e nos constituem” [2].
As vanguardas geométricas se estabelecem na Venezuela e na Argentina, respectivamente, com as operações de Alejandro Otero, Carlos Cruz-Diez, Gego e Jesús Rafael Soto e do Grupo Madí. Como afirma o manifesto do grupo argentino feito em 1946:
Madí confirma o desejo do homem de inventar objetos ao lado da humanidade lutando por uma sociedade sem classes que libera a energia e domina o espaço e o tempo em todos os sentidos, e a matéria em suas últimas consequências.[3]
O terreno para a abstração, particularmente o cinetismo, na Venezuela se deu no começo dos anos 1960. Cruz-Diez segue caminhos que poderíamos chamar de “um espaço extra-pictórico”, muito próximos aos de Soto. Suas obras iniciais lançam a cor ao espaço por meio da luz reflexiva: o fundo da pintura se transformava numa espécie de tela branca, destinada a receber os reflexos de luz. De certa forma, se apoia nessa presença corpórea da obra (e aqui as estruturas vibratórias de Soto entram na discussão) para aprisionar a luz projetada em direção ao espaço, assim como, mais tarde, utilizará meios transparentes para alcançar o maior grau possível de imaterialidade, como são os casos das duas obras apresentadas na mostra. Em Color Aditivo Panam 7 (2010) e Physichromie Panam 226 (2015) observamos que as figuras construídas sobre o plano promovem um contínuo jogo de alternância entre figura e fundo de modo a confundir as suas respectivas fronteiras. Sem dúvida, esse conjunto de retângulos almeja conquistar o espaço. Notem, portanto, as relações frutíferas entre essa qualidade de arte cinética e as práticas de uma arquitetura moderna na América Latina. Vejam os casos do arquiteto venezuelano Carlos Raúl Villanueva, muito próximo a Soto e Cruz-Diez, e também Niemeyer. Ambos tornaram curvas as retas, possibilitando uma outra linguagem e visualidade para o elemento concreto. Sobre a obra de Soto aqui apresentada, é importante dizer que além de colocar em suspenso a tradicional oposição entre figura e fundo, em que não se sabe qual é qual, resultando em uma disposição não mais hierarquizada, o encontro das linhas que atravessam essa obra desperta a geometria lírica desse artista. Eis o fenômeno da vibração – mais que ótica – que este cruzamento provoca. É uma tensão por estarem tais linhas no mesmo plano indicando um “nó espacial, que mesmo Mondrian deixa em suspenso ao eliminá-las em sua última fase” [4]. Há algo de musical, mágico e lúdico nessa obra. O plano se torna ativo ou é constantemente reativo pelo espectador. Daí artistas como Soto e Palatnik se declararem como pintores, apesar da pintura de ambos lidar com elementos tridimensionais. As hastes de Soto alteram discretamente a estabilidade do horizonte, e a escultura com motor de Kosice caminha pelo mesmo interesse. É a própria obra posta em questão, ameaçando os seus limites, experimentando as suas várias possibilidades, de forma intensa. Estava em questão o envolvimento total do espectador e a potencialização de toda a sensorialidade. A repetição e a progressão, causadas pelo acionamento do motor, estão entre os modos possíveis de suscitar uma ultrapassagem em direção ao ilimitado. O mundo é movimento, ou melhor, cinético, estando muito além do estritamente visual. E a obra quer acompanhar este modo de ser e se converte em obra-motor, obra-movimento. Ela entra em dissolução, se refaz no contato com o espectador, diminuindo sua distância com ele e exigindo sua participação. Eis a sua riqueza e contribuição: a obra é o espaço sensorial, ativo e mobilizador da vontade e da consciência do sujeito.
Luis Tomasello e Julio Le Parc são dois artistas argentinos de primeira ordem mas que fazem parte da geração seguinte ao do Madí. As obras desse último se caracterizam pelo uso da luz como componente central e como ela pode gerar, conectadas a motores, formas no espaço. Entretanto, nas duas obras do artista que estão na exposição notamos a associação entre luz e cor. A série Modulation destaca o largo potencial de variações cromáticas que a pintura pode oferecer. Tratam-se de obras baseadas em elementos geométricos, que utilizam as reações fisiológicas de percepção ótica. Os movimentos do espectador modificam as imagens que a pintura pode oferecer. Ela deixa de ser algo estritamente estático para nesse campo da interação (claro, guardadas as especificidades de uma interação entre espectador e obra bidimensional) promover a multiplicação das imagens. Já Atmospheres chromoplastiques nº 446 e nº 972 e Objet Plastique nº 897, todas de Tomasello, fazem uso de estruturas em relevo onde a ocupação do espaço tridimensional é o desejo maior. O volume que é dado pelas estruturas em madeira se transforma em fluxo e logo se faz tridimensional. A projeção de sombras sobre as madeiras promove uma espécie de expansão dessas formas. É através de uma economia de elementos que o artista promove uma larga experimentação envolvendo planos ilusórios, expansão das formas no espaço e a relação intrínseca entre luz, cor e forma. Em Atmosphere chromoplastique no508, se instala o conceito da ambiguidade e da desorientação ópticas através de ritmos aleatórios e padrões geométricos. A obra associa uma severa destreza técnica, conservando o rigor construtivo, com a delicada gestualidade de traços que deixam de se articular ao perímetro do quadrado para se dirigirem ao centro do quadro e desaguarem no ilusionismo óptico.
Essa é uma exposição de fôlego e muito importante para que tomemos conhecimento sobre a produção cinética nesses 3 países e os laços e as diferenças que podem ser analisados quando essas obras ocupam o mesmo espaço. Assinalo que os artistas dessa mostra não foram considerados de vanguarda apenas em seus respectivos países mas no mundo. A produção cinética latino-americana é uma das mais respeitadas no âmbito crítico e institucional, afirmando a qualidade e a pertinência desses artistas.
[1] POIRIER, Matthieu. Os Excis de Esmeraldo ou cinetismo em viveiro. In: AMARAL, Aracy (org). Sérvulo Esmeraldo. São Paulo: Pinacoteca do Estado, 2011, p. 119-121.
[2] Idem, p. 121.
[3] Cf. QUINN, Arden; KOSICE, Gyula. Manifesto Madí. In: AMARAL, Aracy A. (org). Projeto construtivo brasileiro na arte: 1950-1962. Rio de Janeiro: MAM; São Paulo: Pinacoteca do Estado, 1977, p. 62-64.
[4] VENANCIO FILHO, Paulo. Soto: a construção da imaterialidade. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil, 2005, p. 07.
Felipe Scovino
O recorte para essa exposição possui mais uma particularidade além de estarem sendo apresentadas obras de arte cinéticas produzidas por artistas latino-americanos. Outro ponto de inflexão é o fato que o início da produção de arte cinética nas Américas coincide com o processo de modernização de grande parte desse continente. A mostra reúne a produção de três países (Argentina, Brasil e Venezuela) que entre os anos 1950 e 1970 passaram por profundos processos de industrialização, alargamento de políticas de importação, reformas amplas de infraestrutura em seus núcleos urbanos, diferentes práticas de uma arquitetura moderna e um desenvolvimento nunca antes visto na América Latina. Essa política de aporte financeiro e prosperidade – que pode ser exemplificada na construção de Brasília e no Plano de Metas (“50 anos em 5”) de Juscelino Kubitschek, ou na indústria petrolífera venezuelana ou ainda na rica vida cultural de Buenos Aires – possibilita um campo frutífero para as artes. Entre o fim dos anos 40 e o início dos anos 50 no Brasil assistimos a um amplo processo de institucionalização das artes com a fundação dos primeiros museus de arte moderna no Rio de Janeiro e em São Paulo (1948), além do MASP (1947) e da I Bienal de São Paulo (1951). Esta rede institucional permitiu a realização de importantes mostras de artistas internacionais no país, desde Calder a Picasso, passando pela importante mostra Pop na Bienal de 67, assim como possibilitou a emergência de uma nova geração de artistas brasileiros. E é aqui que se encontram os cinéticos. Desde 1950, Palatnik desenvolvia os seus Aparelhos cinecromáticos. O fascínio pelo movimento do jogo de luzes e o aspecto lúdico que o Cinecromático possui não podem mascarar uma importância que é singular nessa obra: não apenas marca o pioneirismo da arte cinética no mundo, mas essa invenção dialoga intensamente com a produção cinética na Europa e na América do Sul, particularmente na Argentina e na Venezuela, assim como amplia o conceito de pintura.
Em 1948, Mary Vieira realiza seus Polivolumes, torres vazadas, feitas em alumínio anodizado, formadas por semicírculos móveis em que o espectador, agora transformado em participante, escolhe a posição destes. Essas estruturas são móveis apenas no sentido horizontal. Se nos Aparelhos cinecromáticos e nos Objetos Cinéticos de Palatnik, o movimento e a participação se dão de forma autônoma em relação ao espectador – o que não acontecerá nas suas pinturas de matriz construtiva, a série W apresentada nessa mostra, já que a mobilidade do espectador frente a elas causa uma nova proposta para a ideia de movimento, dinâmica, e confronta a suposta rigidez que uma pintura teria –, os Polivolumes anteciparam de certa forma questões encontradas nos Bichos (1959-1964) de Lygia Clark. Nesses dois últimos exemplos, a obra é o molde para a nossa vontade.
O que temos nessa mostra, referindo ao campo de produção da arte brasileira, é a reunião de 4 artistas que tiveram participação fundamental no processo de pensar a simbologia do moderno. Abraham Palatnik, Antonio Maluf, Sérvulo Esmeraldo e Ubi Bava, cada um a seu modo, constituíram uma aproximação entre arte e ciência e pavimentaram a arte cinética no país.
No caso Relevo progressivo (série realizada a partir dos anos 1960) de Palatnik, o sequenciamento dos cortes na superfície do material – cartão – cria camadas ou ondas que variam dependendo da profundidade e localização do corte. O uso do papel-cartão leva à execução de ritmos e sinuosidades de grande impacto visual. Relevos também se desmembrou a partir dos anos 1990 na série W. Saiu o cartão ou o metal e entrou a tinta acrílica. O artista pinta telas abstratas que servem como ‘base’ para as futuras pinturas cinéticas. Num segundo estágio, o corte a laser fatia a pintura em réguas finíssimas. Depois, movimentando as varetas do ‘quadro fatiado’ no sentido vertical, ‘desenhando’ o futuro trabalho, o artista constrói um ritmo progressivo da forma, conjugando expansão e dinâmica visual. É importante destacar que o caráter cinético dessas obras se dá pela forma em como o espectador se coloca defronte a obra, isto é, a cada mudança de perspectiva dele, a pintura cria novas percepções e imagens.
Antonio Maluf foi o autor do cartaz da I Bienal de São Paulo. Artigo raríssimo em exposições, esse cartaz é um dos marcos do design brasileiro e das experimentações artísticas daquele momento. Os elementos estruturais do desenho, feito em três versões, reiteram e enfatizam o formato retangular do suporte. À medida que são reduzidos, os retângulos se adensam em direção ao centro do papel, projetando uma perspectiva tanto espacial quanto temporal. Todo esse conjunto de elementos é integrado ao formato do cartaz e o movimento das linhas paralelas, em duas cores, resultantes do seu perímetro, permite uma vibrante miragem óptica. Figura e fundo não conseguem diferenciar-se, são alternâncias constantes.
Maluf ainda dará início, na década de 1950, à produção das séries Progressões crescentes e decrescentes e Equação dos desenvolvimentos em progressões crescentes e decrescentes, realizadas em guache sobre papel, num primeiro momento, e depois com tinta acrílica sobre madeira. Nesse conjunto percebemos que a linha é transformada, por ilusão óptica, em vibração, o material em energia. Quando o espectador se movimenta diante destas obras, o fundo fragmenta a linha de cores, de modo que ele se apresenta como uma série de pequenos pontos flutuando no espaço. Eis a matemática se metamorfoseando em estruturas vibratórias a serviço de uma nova experiência de mundo para o sujeito. Em Equação dos desenvolvimentos (década de 1980), o artista elimina a dimensão física do quadro, privilegiando as construções gráficas. O exercício cinético, provocado pela repetição em série de estruturas monocromáticas, explora processos perceptivos de criação e recriação da forma (tem-se a sensação de multiplicação de quadrados num regime de tempo e espaço interminável).
Na série Homenagem ao espectador, realizada ao longo dos anos 1970, Ubi Bava adotou uma forma de experimentação utilizando superfícies construídas com espelhos ou unidades visuais modulares que captam o ambiente e a imagem do espectador. Os limites do círculo e a sua capacidade de reflexão são as unidades motoras do artista. Ademais, não há a preocupação apenas, como se isso fosse pouco, em experimentar novas capacidades cinéticas e propor a participação do espectador como um sujeito ativo e constituinte da obra, mas também a percepção em construir e organizar um estado pictórico. Esta analogia se faz presente na escolha e na ordem com que compõe os espelhos multicoloridos sobre o acrílico. Há o pensamento de um pintor articulando formas e cores naquela superfície.
E737, de Sérvulo Esmeraldo, é um exemplar dos mais importantes da sua icônica série Excitáveis. Produzida a partir de 1964, essa série é formada por caixas-objeto, feitas em acrílico, com elementos movimentados por eletricidade estática gerada pelo espectador quando a superfície da obra é tocada. Esmeraldo resolvia simultaneamente os desafios de fazer uma arte de participação do espectador e de estabelecer uma linguagem cinética sensível. Excitáveis retorna à problemática do acaso: a repetição exata de movimento, por mais complexa que seja, torna-se monótona na ideia do artista. Deve ser exercido algum controle. Isso é geralmente obtido pela descoberta de alguma relação entre os elementos nas caixas que se mantêm constantes no decurso de toda e qualquer variação de movimento. Excitável, aqui, diz respeito à ação de colocar em movimento. Como afirma Matthieu Poirier, “cabe ao espectador a função de carregar negativamente a obra, esfregando vigorosamente a mão na superfície da caixa, fazendo que a tal superfície atraia e tire da inércia as diversas linhas cuja carga é positiva.”[1] Essa ação do espectador desorganiza a ordem pré-estabelecida; o que era razão transforma-se em caos. De forma efêmera, criando um tempo próprio de nova aparição e organização para a obra, o gesto do espectador articula uma poderosa ligação entre arte e ciência, e ainda entre o que existe e não necessariamente é visto a olho nu, como novamente afirma Poirier: “Disfarçada pela impressão unicamente telecinética de produzir o deslocamento de objetos a distância, a obra nos torna conscientes da capacidade motriz das forças elétricas invisíveis que nos circundam e nos constituem” [2].
As vanguardas geométricas se estabelecem na Venezuela e na Argentina, respectivamente, com as operações de Alejandro Otero, Carlos Cruz-Diez, Gego e Jesús Rafael Soto e do Grupo Madí. Como afirma o manifesto do grupo argentino feito em 1946:
Madí confirma o desejo do homem de inventar objetos ao lado da humanidade lutando por uma sociedade sem classes que libera a energia e domina o espaço e o tempo em todos os sentidos, e a matéria em suas últimas consequências.[3]
O terreno para a abstração, particularmente o cinetismo, na Venezuela se deu no começo dos anos 1960. Cruz-Diez segue caminhos que poderíamos chamar de “um espaço extra-pictórico”, muito próximos aos de Soto. Suas obras iniciais lançam a cor ao espaço por meio da luz reflexiva: o fundo da pintura se transformava numa espécie de tela branca, destinada a receber os reflexos de luz. De certa forma, se apoia nessa presença corpórea da obra (e aqui as estruturas vibratórias de Soto entram na discussão) para aprisionar a luz projetada em direção ao espaço, assim como, mais tarde, utilizará meios transparentes para alcançar o maior grau possível de imaterialidade, como são os casos das duas obras apresentadas na mostra. Em Color Aditivo Panam 7 (2010) e Physichromie Panam 226 (2015) observamos que as figuras construídas sobre o plano promovem um contínuo jogo de alternância entre figura e fundo de modo a confundir as suas respectivas fronteiras. Sem dúvida, esse conjunto de retângulos almeja conquistar o espaço. Notem, portanto, as relações frutíferas entre essa qualidade de arte cinética e as práticas de uma arquitetura moderna na América Latina. Vejam os casos do arquiteto venezuelano Carlos Raúl Villanueva, muito próximo a Soto e Cruz-Diez, e também Niemeyer. Ambos tornaram curvas as retas, possibilitando uma outra linguagem e visualidade para o elemento concreto. Sobre a obra de Soto aqui apresentada, é importante dizer que além de colocar em suspenso a tradicional oposição entre figura e fundo, em que não se sabe qual é qual, resultando em uma disposição não mais hierarquizada, o encontro das linhas que atravessam essa obra desperta a geometria lírica desse artista. Eis o fenômeno da vibração – mais que ótica – que este cruzamento provoca. É uma tensão por estarem tais linhas no mesmo plano indicando um “nó espacial, que mesmo Mondrian deixa em suspenso ao eliminá-las em sua última fase” [4]. Há algo de musical, mágico e lúdico nessa obra. O plano se torna ativo ou é constantemente reativo pelo espectador. Daí artistas como Soto e Palatnik se declararem como pintores, apesar da pintura de ambos lidar com elementos tridimensionais. As hastes de Soto alteram discretamente a estabilidade do horizonte, e a escultura com motor de Kosice caminha pelo mesmo interesse. É a própria obra posta em questão, ameaçando os seus limites, experimentando as suas várias possibilidades, de forma intensa. Estava em questão o envolvimento total do espectador e a potencialização de toda a sensorialidade. A repetição e a progressão, causadas pelo acionamento do motor, estão entre os modos possíveis de suscitar uma ultrapassagem em direção ao ilimitado. O mundo é movimento, ou melhor, cinético, estando muito além do estritamente visual. E a obra quer acompanhar este modo de ser e se converte em obra-motor, obra-movimento. Ela entra em dissolução, se refaz no contato com o espectador, diminuindo sua distância com ele e exigindo sua participação. Eis a sua riqueza e contribuição: a obra é o espaço sensorial, ativo e mobilizador da vontade e da consciência do sujeito.
Luis Tomasello e Julio Le Parc são dois artistas argentinos de primeira ordem mas que fazem parte da geração seguinte ao do Madí. As obras desse último se caracterizam pelo uso da luz como componente central e como ela pode gerar, conectadas a motores, formas no espaço. Entretanto, nas duas obras do artista que estão na exposição notamos a associação entre luz e cor. A série Modulation destaca o largo potencial de variações cromáticas que a pintura pode oferecer. Tratam-se de obras baseadas em elementos geométricos, que utilizam as reações fisiológicas de percepção ótica. Os movimentos do espectador modificam as imagens que a pintura pode oferecer. Ela deixa de ser algo estritamente estático para nesse campo da interação (claro, guardadas as especificidades de uma interação entre espectador e obra bidimensional) promover a multiplicação das imagens. Já Atmospheres chromoplastiques nº 446 e nº 972 e Objet Plastique nº 897, todas de Tomasello, fazem uso de estruturas em relevo onde a ocupação do espaço tridimensional é o desejo maior. O volume que é dado pelas estruturas em madeira se transforma em fluxo e logo se faz tridimensional. A projeção de sombras sobre as madeiras promove uma espécie de expansão dessas formas. É através de uma economia de elementos que o artista promove uma larga experimentação envolvendo planos ilusórios, expansão das formas no espaço e a relação intrínseca entre luz, cor e forma. Em Atmosphere chromoplastique no508, se instala o conceito da ambiguidade e da desorientação ópticas através de ritmos aleatórios e padrões geométricos. A obra associa uma severa destreza técnica, conservando o rigor construtivo, com a delicada gestualidade de traços que deixam de se articular ao perímetro do quadrado para se dirigirem ao centro do quadro e desaguarem no ilusionismo óptico.
Essa é uma exposição de fôlego e muito importante para que tomemos conhecimento sobre a produção cinética nesses 3 países e os laços e as diferenças que podem ser analisados quando essas obras ocupam o mesmo espaço. Assinalo que os artistas dessa mostra não foram considerados de vanguarda apenas em seus respectivos países mas no mundo. A produção cinética latino-americana é uma das mais respeitadas no âmbito crítico e institucional, afirmando a qualidade e a pertinência desses artistas.
[1] POIRIER, Matthieu. Os Excis de Esmeraldo ou cinetismo em viveiro. In: AMARAL, Aracy (org). Sérvulo Esmeraldo. São Paulo: Pinacoteca do Estado, 2011, p. 119-121.
[2] Idem, p. 121.
[3] Cf. QUINN, Arden; KOSICE, Gyula. Manifesto Madí. In: AMARAL, Aracy A. (org). Projeto construtivo brasileiro na arte: 1950-1962. Rio de Janeiro: MAM; São Paulo: Pinacoteca do Estado, 1977, p. 62-64.
[4] VENANCIO FILHO, Paulo. Soto: a construção da imaterialidade. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil, 2005, p. 07.
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01/06/2016 - Texto Crítico da Exposição - Museu dos Correios
Antonio Maluf - O criador de universos
Por Celso Fioravante
Antonio Maluf - O criador de universos
Por Celso Fioravante
O artista plástico paulistano Antônio Maluf (1926-2005) deve ser classificado como um mestre na história da arte brasileira, pois se enquadra na restrita categoria desenvolvida pelo poeta e crítico literário norte-americano Ezra Pound (1885-1972), que, em seu clássico “ABC da Literatura”, classifica como “mestre” aquele artista capaz de fazer várias combinações de um processo criado anteriormente e que se sai tão bem ou até melhor que os próprios inventores desse processo.
Antonio Maluf não inventou o concretismo, mas fez dele seu universo.
No princípio, era a figuração. Em 1948, ainda oscilante entre o curso de engenharia civil na Universidade Mackenzie, de São Paulo, e o trabalho como desenhista de padrões de estamparia para a empresa da família, a Estamparia e Beneficiadora de Tecido Victoria (em atividade até 1964), Maluf fazia seus primeiros desenhos figurativos e os assinava como Toni.
No mesmo ano, frequentou os ateliês de Waldemar da Costa, de Nelson Nóbrega e de Samson Flexor, com os quais aprendeu os primeiros fundamentos de pintura. Em 1950, cursou a Escola Livre de Artes Plásticas, dirigida por Flávio Motta, e fez cursos de litografia e gravura em metal no MASP.
Em 1951, conseguiu uma das 30 vagas disponíveis no recém-criado curso de desenho industrial do Instituto de Arte Contemporânea do Museu de Arte de São Paulo (IAC-MASP), o primeiro da América Latina. Inquieto, ficou ali poucos meses, mas o aprendizado foi fundamental em sua formação e, naquele mesmo ano, fez sua retumbante estreia nas artes gráficas, ao vencer o concurso para o cartaz da 1ª Bienal Internacional de Arte de São Paulo e com ele o símbolo maior do concretismo brasileiro e um marco no design gráfico moderno no país. O júri era formado por Lívio Abramo, Mário Pedrosa e Rino Levi. Maluf se inscreveu no certame com o pseudônimo Milo 106.
Nada é gratuito na produção de Antonio Maluf, e a escolha do pseudônimo foi acertadíssima. A palavra “Milo” pode derivar do hebraico “milui”: material usado para preencher espaços vazios entre pisos e paredes (rejunte, argamassa). A palavra dá nome a uma estrutura de pedras localizada em Jerusalém (Israel) e é citada na Bíblia algumas vezes, tendo sido traduzida como terraços de suporte, muralhas, muros de arrimo... Essas definições se encaixam perfeitamente no leitmotiv de Maluf para a criação do cartaz da 1ª Bienal de São Paulo.
O cartaz era uma adaptação de uma de suas primeiras pinturas concretas, o guache “Equação dos Desenvolvimentos em Progressões Crescentes e Decrescentes”, de março de 1951.
“O trabalho que realizei no início de 1951, e que depois se tornou o cartaz da Primeira Bienal de São Paulo, é feito de elementos estruturais que reiteram a forma retangular do suporte. Os elementos não estão lá ilustrando algo: os elementos formais reiteram o suporte retangular. Não é aplicação. Entendo que o cartaz da 1ª Bienal teve muita importância na divulgação da arte concreta porque sua função foi dupla: não só se enunciava, como também anunciava todo um processo no qual o suporte vinha a ser um problema. No cartaz não se estava transportando nada. Dizia ele: ‘Isso sou eu, um retângulo’ ”, explicou o artista no texto “O conceito de arte concreta a partir do meu trabalho”, publicado no livro “Arte Concreta Paulista” (Cosac & Naify, 2002).
Assim como seu mestre Leonardo da Vinci (1452-1519), Antonio Maluf nunca deixou de ser engenheiro e aplicar os recursos da engenharia em sua produção artística: usou conhecimentos científicos, matemática e muita criatividade para criar as soluções para seus problemas artísticos.
Não é à toa que a palavra “engenheiro” vem do latim “ingenium”, que significa “inteligência” ou “criatividade”. Maluf possuía as duas qualidades e o cartaz da Bienal funcionou como o muro de arrimo de toda a carreira do artista.
As séries “Equação de Desenvolvimentos”, “Progressões Crescentes e Decrescentes” e as suas variantes, produzidas de 1951 até os últimos anos de sua vida, funcionaram como o “big bang” de sua produção pictórica. Maluf criou a partir delas um novo mundo, pautado em efeitos simultâneos de expansão e concentração. Sua produção se fundamentou no detalhamento minucioso, na geometria, em cálculos precisos, em ângulos e medidas exatas, na absoluta economia de meios, no rigor de esquemas matemáticos, na racionalização e na quantificação dos dados disponíveis, em equações, método e extrema organização.
O artista parte da repetição de uma mesma estrutura geométrica para criar um ritmo que se amplia e se perpetua ad infinitum, mas sem monotonia, pois se utiliza da combinação de cores com tonalidades puras e contrastantes. Com isso cria constelações, galáxias de cores que culminavam em buracos negros. Para isso, se fundamenta na teoria alemã da Gestalt, corrente entre os concretistas da época, que afirma que o cérebro humano, durante a percepção da imagem, produz uma interação entre todos os elementos disponíveis (continuidade, semelhança, unidade, distância, fundo, figura etc) para criar a visão do todo e não de suas partes.
Com o fim do boom concretista dos anos 50, a partir da extinção de grupos basilares, como o paulista Ruptura (1952-1958) e o carioca Frente (1954-1956), Maluf inicia uma profícua parceria com o arquiteto Fábio Penteado (1929-2011), para quem desenvolveu diversos murais e painéis de cerâmica, como os do Edifício Brigadeiro (São Paulo, 1960), Banco Noroeste (Guarulhos, 1962), Escritório de Advocacia Alberto Brandão Muylaert (São Paulo, 1962), Tênis Clube de Campinas (1971) e Caixa Econômica de Bastos (SP, 1973), além das estruturas modulares do teto da Sociedade Harmonia de Tênis (São Paulo, 1964).
Em parceria com o arquiteto Lauro Costa Lima (1917-2006), Maluf desenvolveu dois projetos: o painel de azulejos do Edifício Cambuí (1963), em São Paulo, a partir de variações de sua pintura “Equação dos Desenvolvimentos: Roleta” (1957), e seu maior projeto em artes plásticas aplicadas à arquitetura: o painel de azulejos da fachada do edifício Vila Normanda (1964), no centro de São Paulo, composto por cerca de 1.000 m2 de lajotas de cerâmica esmaltada 30 x 15 cm.
O mural foi concebido com base em sua obra “Subdivisões de um Retângulo em Torno dos Eixos Ortogonais e Diagonais” (1958), Nele, Maluf cortou um retângulo em duas diagonais e criou quatro triângulos, que combinados permitiram a formação de 12 variantes, com as quais criou composições infinitas pautadas em equilíbrio, ritmo e contraste de três cores: azul, branco e cinza.
Ao combinar elementos do desenho industrial e da arte concreta em módulos semelhantes, alternando-os infinitamente, Maluf gerou uma infinidade de padrões não repetitivos.
Os dois murais desenvolvidos em parceria com Lauro Costa Lima partem de conceitos da série “Equação de Desenvolvimentos”, que estabelece uma relação de igualdade entre os elementos da linguagem pictórica e o suporte sobre o qual são aplicados, o que permite desdobramentos infinitos.
A última experiência de Maluf com arquitetura se deu em parceria com Vilanova Artigas, para quem realizou um mural na entrada do edifício do Sindicato dos Motoristas (São Paulo, 1973), baseado na obra “Caminho sem Fim” (1959).
As noções de um tempo circular, de uma trama pictórica infinita, pontuam a produção de Antonio Maluf desde os seus primórdios, mas se intensificam no final dos anos 50 e se tornaram absolutos nas décadas seguintes.
Foi como se o artista tivesse tido uma iluminação ainda maior que aquela que lhe havia acometido ao criar o cartaz da 1ª Bienal Internacional de São Paulo, em 1951...
Suas obras nunca abandonaram o concretismo, mas passaram a incorporar subliminarmente conceitos místicos, astronômicos, eróticos e telúricos, entre outros, o que só vem a confirmar a inteligência e a criatividade do engenheiro.
Não é difícil perceber em suas pinturas realizadas nos anos 60 e anos 70 os efeitos circulares das danças circulares dos sufis dervixes (místicos muçulmanos), que ao dançar evocam o movimento dos astros celestes e a busca de Deus. Também são frequentes as mandalas (tradição indiana) e as representações budistas do Yin e Yang.
Corpos celestes, como o Sol, a Lua e as estrelas, também são frequentes nas produções a partir do final dos anos 50 e geralmente aparecem relacionados com acontecimentos ou elementos telúricos, como alvoradas, crepúsculos, arco-íris, horizontes, rosa dos ventos, estações do ano e outros. Um dos trabalhos emblemáticos desta linhagem é um guache sobre papel, sem título, datado de 1958, em que Maluf apresenta dois Sóis, simultâneos, nascendo no horizonte. Trata-se de um fenômeno astrológico que representa o alinhamento do Sol com a estrela Sirius (constelação do Cão Maior), a segunda mais brilhante do universo a partir da Terra, depois do Sol, e por isso também conhecida como Segundo Sol.
Segundo reza a lenda, os dias extremamente quentes em setembro no Hemisfério Norte (dias de canícula, “calor do cão”) ocorrem por que o Sol e Sirius nascem na mesma hora e assim produzem mais calor. Nando Reis e Cássia Eller cantaram este fenômeno em “O Segundo Sol”: “Quando o segundo Sol chegar / Para realinhar as órbitas dos planetas / Derrubando com assombro exemplar / O que os astrônomos diriam se tratar de um outro cometa... Eu só queria te contar / Que eu fui lá fora e vi dois Sóis num dia / E a vida que ardia sem explicação”.
Por fim são abundantes as influências culturais islâmicas na produção de Antonio Maluf. Em suas tramas são frequentes os zigue-zagues, comum na indumentária árabe (inclusive em “kufis”, tipo de solidéu árabe, e até mesmo em maiôs e biquinis); as treliças dos muxarabis (elemento arquitetônico das varandas árabes para salvaguardar a intimidade feminina e preservar sua inconteste curiosidade); as estrelas de oito pontas vistas com frequência na ornamentação arquitetônica e tipografia árabes; e o uso do azimute (“caminho”, em árabe), uma maneira de calcular distâncias em graus, de 0º a 360º, com uso semelhante a da rosa dos ventos.
Erudito e discreto, Antonio Maluf criou um universo próprio, cujo todo era formado por uma infinidade de detalhes... Passou seus dias assim, criando e pregando no deserto...
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Antonio Maluf não inventou o concretismo, mas fez dele seu universo.
No princípio, era a figuração. Em 1948, ainda oscilante entre o curso de engenharia civil na Universidade Mackenzie, de São Paulo, e o trabalho como desenhista de padrões de estamparia para a empresa da família, a Estamparia e Beneficiadora de Tecido Victoria (em atividade até 1964), Maluf fazia seus primeiros desenhos figurativos e os assinava como Toni.
No mesmo ano, frequentou os ateliês de Waldemar da Costa, de Nelson Nóbrega e de Samson Flexor, com os quais aprendeu os primeiros fundamentos de pintura. Em 1950, cursou a Escola Livre de Artes Plásticas, dirigida por Flávio Motta, e fez cursos de litografia e gravura em metal no MASP.
Em 1951, conseguiu uma das 30 vagas disponíveis no recém-criado curso de desenho industrial do Instituto de Arte Contemporânea do Museu de Arte de São Paulo (IAC-MASP), o primeiro da América Latina. Inquieto, ficou ali poucos meses, mas o aprendizado foi fundamental em sua formação e, naquele mesmo ano, fez sua retumbante estreia nas artes gráficas, ao vencer o concurso para o cartaz da 1ª Bienal Internacional de Arte de São Paulo e com ele o símbolo maior do concretismo brasileiro e um marco no design gráfico moderno no país. O júri era formado por Lívio Abramo, Mário Pedrosa e Rino Levi. Maluf se inscreveu no certame com o pseudônimo Milo 106.
Nada é gratuito na produção de Antonio Maluf, e a escolha do pseudônimo foi acertadíssima. A palavra “Milo” pode derivar do hebraico “milui”: material usado para preencher espaços vazios entre pisos e paredes (rejunte, argamassa). A palavra dá nome a uma estrutura de pedras localizada em Jerusalém (Israel) e é citada na Bíblia algumas vezes, tendo sido traduzida como terraços de suporte, muralhas, muros de arrimo... Essas definições se encaixam perfeitamente no leitmotiv de Maluf para a criação do cartaz da 1ª Bienal de São Paulo.
O cartaz era uma adaptação de uma de suas primeiras pinturas concretas, o guache “Equação dos Desenvolvimentos em Progressões Crescentes e Decrescentes”, de março de 1951.
“O trabalho que realizei no início de 1951, e que depois se tornou o cartaz da Primeira Bienal de São Paulo, é feito de elementos estruturais que reiteram a forma retangular do suporte. Os elementos não estão lá ilustrando algo: os elementos formais reiteram o suporte retangular. Não é aplicação. Entendo que o cartaz da 1ª Bienal teve muita importância na divulgação da arte concreta porque sua função foi dupla: não só se enunciava, como também anunciava todo um processo no qual o suporte vinha a ser um problema. No cartaz não se estava transportando nada. Dizia ele: ‘Isso sou eu, um retângulo’ ”, explicou o artista no texto “O conceito de arte concreta a partir do meu trabalho”, publicado no livro “Arte Concreta Paulista” (Cosac & Naify, 2002).
Assim como seu mestre Leonardo da Vinci (1452-1519), Antonio Maluf nunca deixou de ser engenheiro e aplicar os recursos da engenharia em sua produção artística: usou conhecimentos científicos, matemática e muita criatividade para criar as soluções para seus problemas artísticos.
Não é à toa que a palavra “engenheiro” vem do latim “ingenium”, que significa “inteligência” ou “criatividade”. Maluf possuía as duas qualidades e o cartaz da Bienal funcionou como o muro de arrimo de toda a carreira do artista.
As séries “Equação de Desenvolvimentos”, “Progressões Crescentes e Decrescentes” e as suas variantes, produzidas de 1951 até os últimos anos de sua vida, funcionaram como o “big bang” de sua produção pictórica. Maluf criou a partir delas um novo mundo, pautado em efeitos simultâneos de expansão e concentração. Sua produção se fundamentou no detalhamento minucioso, na geometria, em cálculos precisos, em ângulos e medidas exatas, na absoluta economia de meios, no rigor de esquemas matemáticos, na racionalização e na quantificação dos dados disponíveis, em equações, método e extrema organização.
O artista parte da repetição de uma mesma estrutura geométrica para criar um ritmo que se amplia e se perpetua ad infinitum, mas sem monotonia, pois se utiliza da combinação de cores com tonalidades puras e contrastantes. Com isso cria constelações, galáxias de cores que culminavam em buracos negros. Para isso, se fundamenta na teoria alemã da Gestalt, corrente entre os concretistas da época, que afirma que o cérebro humano, durante a percepção da imagem, produz uma interação entre todos os elementos disponíveis (continuidade, semelhança, unidade, distância, fundo, figura etc) para criar a visão do todo e não de suas partes.
Com o fim do boom concretista dos anos 50, a partir da extinção de grupos basilares, como o paulista Ruptura (1952-1958) e o carioca Frente (1954-1956), Maluf inicia uma profícua parceria com o arquiteto Fábio Penteado (1929-2011), para quem desenvolveu diversos murais e painéis de cerâmica, como os do Edifício Brigadeiro (São Paulo, 1960), Banco Noroeste (Guarulhos, 1962), Escritório de Advocacia Alberto Brandão Muylaert (São Paulo, 1962), Tênis Clube de Campinas (1971) e Caixa Econômica de Bastos (SP, 1973), além das estruturas modulares do teto da Sociedade Harmonia de Tênis (São Paulo, 1964).
Em parceria com o arquiteto Lauro Costa Lima (1917-2006), Maluf desenvolveu dois projetos: o painel de azulejos do Edifício Cambuí (1963), em São Paulo, a partir de variações de sua pintura “Equação dos Desenvolvimentos: Roleta” (1957), e seu maior projeto em artes plásticas aplicadas à arquitetura: o painel de azulejos da fachada do edifício Vila Normanda (1964), no centro de São Paulo, composto por cerca de 1.000 m2 de lajotas de cerâmica esmaltada 30 x 15 cm.
O mural foi concebido com base em sua obra “Subdivisões de um Retângulo em Torno dos Eixos Ortogonais e Diagonais” (1958), Nele, Maluf cortou um retângulo em duas diagonais e criou quatro triângulos, que combinados permitiram a formação de 12 variantes, com as quais criou composições infinitas pautadas em equilíbrio, ritmo e contraste de três cores: azul, branco e cinza.
Ao combinar elementos do desenho industrial e da arte concreta em módulos semelhantes, alternando-os infinitamente, Maluf gerou uma infinidade de padrões não repetitivos.
Os dois murais desenvolvidos em parceria com Lauro Costa Lima partem de conceitos da série “Equação de Desenvolvimentos”, que estabelece uma relação de igualdade entre os elementos da linguagem pictórica e o suporte sobre o qual são aplicados, o que permite desdobramentos infinitos.
A última experiência de Maluf com arquitetura se deu em parceria com Vilanova Artigas, para quem realizou um mural na entrada do edifício do Sindicato dos Motoristas (São Paulo, 1973), baseado na obra “Caminho sem Fim” (1959).
As noções de um tempo circular, de uma trama pictórica infinita, pontuam a produção de Antonio Maluf desde os seus primórdios, mas se intensificam no final dos anos 50 e se tornaram absolutos nas décadas seguintes.
Foi como se o artista tivesse tido uma iluminação ainda maior que aquela que lhe havia acometido ao criar o cartaz da 1ª Bienal Internacional de São Paulo, em 1951...
Suas obras nunca abandonaram o concretismo, mas passaram a incorporar subliminarmente conceitos místicos, astronômicos, eróticos e telúricos, entre outros, o que só vem a confirmar a inteligência e a criatividade do engenheiro.
Não é difícil perceber em suas pinturas realizadas nos anos 60 e anos 70 os efeitos circulares das danças circulares dos sufis dervixes (místicos muçulmanos), que ao dançar evocam o movimento dos astros celestes e a busca de Deus. Também são frequentes as mandalas (tradição indiana) e as representações budistas do Yin e Yang.
Corpos celestes, como o Sol, a Lua e as estrelas, também são frequentes nas produções a partir do final dos anos 50 e geralmente aparecem relacionados com acontecimentos ou elementos telúricos, como alvoradas, crepúsculos, arco-íris, horizontes, rosa dos ventos, estações do ano e outros. Um dos trabalhos emblemáticos desta linhagem é um guache sobre papel, sem título, datado de 1958, em que Maluf apresenta dois Sóis, simultâneos, nascendo no horizonte. Trata-se de um fenômeno astrológico que representa o alinhamento do Sol com a estrela Sirius (constelação do Cão Maior), a segunda mais brilhante do universo a partir da Terra, depois do Sol, e por isso também conhecida como Segundo Sol.
Segundo reza a lenda, os dias extremamente quentes em setembro no Hemisfério Norte (dias de canícula, “calor do cão”) ocorrem por que o Sol e Sirius nascem na mesma hora e assim produzem mais calor. Nando Reis e Cássia Eller cantaram este fenômeno em “O Segundo Sol”: “Quando o segundo Sol chegar / Para realinhar as órbitas dos planetas / Derrubando com assombro exemplar / O que os astrônomos diriam se tratar de um outro cometa... Eu só queria te contar / Que eu fui lá fora e vi dois Sóis num dia / E a vida que ardia sem explicação”.
Por fim são abundantes as influências culturais islâmicas na produção de Antonio Maluf. Em suas tramas são frequentes os zigue-zagues, comum na indumentária árabe (inclusive em “kufis”, tipo de solidéu árabe, e até mesmo em maiôs e biquinis); as treliças dos muxarabis (elemento arquitetônico das varandas árabes para salvaguardar a intimidade feminina e preservar sua inconteste curiosidade); as estrelas de oito pontas vistas com frequência na ornamentação arquitetônica e tipografia árabes; e o uso do azimute (“caminho”, em árabe), uma maneira de calcular distâncias em graus, de 0º a 360º, com uso semelhante a da rosa dos ventos.
Erudito e discreto, Antonio Maluf criou um universo próprio, cujo todo era formado por uma infinidade de detalhes... Passou seus dias assim, criando e pregando no deserto...
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29/03/2016 - Texto Crítico da Exposição - Galeria Frente
Construções de uma equação
Por Fabio Magalhães
Construções de uma equação
Por Fabio Magalhães
O meio artístico paulistano entre os anos 1940 e 1950
No fim da década de 1940 e início dos anos 1950 houve grande efervescência cultural na cidade de São Paulo. Em 1947, foi criado o Museu de Arte de São Paulo e, no ano seguinte, o Museu de Arte Moderna. Ambas as instituições provocaram mudanças significativas no ambiente artístico da urbe que se transformava velozmente em metrópole. Outras iniciativas, como a criação do Teatro Brasileiro de Comédia (1948) e da Companhia Cinematográfica Vera Cruz (1949), enriqueceram ainda mais a vida cultural paulistana. A indústria em crescimento e a força da economia cafeeira financiavam essas ações.
Na agitação daqueles anos surgiu uma geração de artistas contrários à acomodação modernista, entre eles Antônio Maluf, à procura de novas linguagens visuais, compatíveis com a industrialização crescente e a transformação acelerada da cidade de São Paulo.
A dinâmica dos novos museus e a criação da Bienal de São Paulo ajudaram a acertar nosso “relógio” cultural com as vanguardas artísticas mundiais e ampliaram a polêmica em relação às novas tendências estéticas.
Algumas exposições realizadas nos recém-inaugurados museus causaram bulício e provocaram grande impacto no meio cultural, principalmente as de Alexander Calder, em 1948, e de Max Bill, em 1950, ambas no Masp, e a mostra Do Figurativismo ao Abstracionismo, em 1949, no MAM-SP, que acirrou a polêmica figuração versus abstração e contribuiu para o fortalecimento da corrente abstrata junto à nova geração.
Vale lembrar que, na época, os comunistas, que tinham forte presença no meio artístico e cultural, condenavam a arte abstrata. Segundo eles, o abstracionismo servia aos interesses do imperialismo americano. Portinari e Di Cavalcanti, por exemplo, alegando a função de denúncia social da arte, tornaram-se inimigos públicos da abstração.
Contudo, as atividades dos museus obedeciam a outros critérios e ajudaram a internacionalizar o meio cultural paulista e abrir espaço para a arte abstrata. Logo o Masp e o MAM se transformaram em ponto de encontro de jovens artistas. As exposições também provocaram grande impacto junto à população. Há dados oficiais da época que informam a presença de 80 mil visitantes no Masp em 1950.
Nesses encontros, os artistas debatiam as vanguardas europeias e passaram a se interessar por novos temas – como fotografia, design, paisagismo, fashion design –, que ampliavam a discussão da arte e de sua função na sociedade.
Mesmo acusados de fazer o jogo do imperialismo ianque, alguns artistas da jovem geração adotaram a arte abstrata e se interessaram pelo desenho industrial. Naqueles anos, os conceitos da Gestalt (termo que em alemão significa o todo unificado) eram ainda novidade no meio artístico, que passou a discuti-los após Mário Pedrosa ter apresentado no Rio de Janeiro, em 1949, sua tese “Da natureza afetiva da forma na obra de arte”.
Os princípios da Gestalt e os estudos de percepção visual foram adotados por Antônio Maluf e pelos artistas construtivos.
Anos de formação
Foi nesse contexto – de rupturas, de transformações e de internacionalismo cultural – que Antônio Maluf se iniciou como artista. Primeiramente, estudou desenho, gravura e pintura com Flávio Motta, Waldemar da Costa, Nelson Nóbrega, Poty Lazarotto, Darel Valença Lins e Aldemir Martins. Depois, frequentou por curto período o ateliê de Samson Flexor, onde produziu algumas pinturas figurativas, nas quais já percebemos o interesse pelo arcabouço geométrico da estrutura espacial. O caminho da abstração era perceptível em sua obra. Curiosamente, Antônio Maluf abandonou as aulas pouco antes de Flexor criar o Ateliê Abstração e se distanciou das ideias propostas por ele.
Segundo o artista, os conceitos fundamentais para o desenvolvimento de sua linguagem foram adquiridos nos cursos ministrados pelo Instituto de Arte Contemporânea do Masp – IAC, principalmente nas aulas de Zoltan Hedegus. Para Maluf, as aulas de materiais do professor foram decisivas: “A partir da colocação de Hedegus pode-se entender o conceito de arte concreta como o de uma estrutura que se transforma sem a perda de sua base original”1. Foi a partir desse pensamento de Hegedus, ministrado no curso de desenho industrial e voltado para resolver problemas de design, que Maluf criou as bases artísticas de sua linguagem visual.
O artista recluso
Ao abandonar o IAC, Antônio Maluf iniciou um processo de criação independente e solitário, caso raro na arte contemporânea brasileira. Durante toda a sua carreira, não participou de grupos e de tendências estéticas nem assinou manifestos de correntes artísticas. Enquanto viveu, por opção pessoal, sua obra raramente foi exposta. Até hoje, a maior parte de sua produção permanece inédita.
Realizou em vida apenas duas mostras individuais: a primeira na galeria Cosme Velho, em 1968, e a segunda no Centro Universitário Maria Antônia, em 2002, com curadoria de Regina Teixeira de Barros.
Antônio Maluf foi um pioneiro: adotou o conceito da arte concreta antes de o grupo liderado por Waldemar Cordeiro publicar seu manifesto e criar o Ruptura, em 1952, do qual não participou.
Afável e cheio de amigos, era comunicativo e, anos mais tarde, no período em que dirigiu a galeria Seta, manteve intensa presença na vida cultural brasileira. Mas, ao mesmo tempo, era um artista totalmente recluso: criava e guardava para si tudo que produzia. Com exceção de seus murais realizados em edifícios e, portanto, com grande visibilidade, seus trabalhos raramente eram exibidos fora de seu ateliê. Poucos amigos tinham acesso a sua produção. Entretanto, deixou vasta obra, executada com rigor, e trabalhou ininterruptamente até sua morte.
Exigente em seu fazer artístico, durante cinco décadas sua produção obedeceu ao conceito da “equação dos desenvolvimentos”. Sem fugir de seus princípios, procurou expandir, no limite do possível, os resultados formais e cromáticos dessa aventura construtiva.
O princípio das progressões crescentes e decrescentes, adotado em 1951, antes do concurso de cartaz para a I Bienal, manteve-se presente durante toda a sua trajetória de artista, inclusive na derradeira obra, iniciada e não concluída, alguns meses antes de falecer, em 2005.
Desde o início, Antônio Maluf definiu-se por uma abstração geométrica de precisão – de régua e compasso. Mesmo assim, o rigor construtivo baseado em cálculos matemáticos não impediu a criação de um rico e diversificado universo visual, de percursos contínuos e sem fim, que se expandem e se retraem, oriundo dos desdobramentos progressivos de forma e de variações rítmicas com alternâncias de cor.
Em sua obra, a matemática aplicada transforma-se em poesia e o autor comprova que a disciplina e a obediência a uma equação não são empecilhos para a autonomia da criação, assim como a métrica de um soneto não tira a liberdade do poeta.
Quando observamos o princípio da fuga na obra musical de Johan Sebastian Bach, percebemos certa afinidade poética, certo paralelo musical com a tese construtiva adotada por Antônio Maluf em suas composições visuais. Na arte da fuga, a apresentação do sujeito musical acontece no início, com uma voz solitária cantando toda a fuga. Depois outra voz entra em sequência cantando o sujeito inicial, e outras vozes retomam o tema, sempre esperando a voz anterior concluir antes de entrar, obedecendo a ordem: baixo, tenor, contralto e soprano. Antônio Maluf constrói o espaço pictórico a partir de uma unidade formal (o sujeito) e estabelece progressões crescentes e decrescentes da forma inicial (matriz). Desse modo, as formas que se sucedem com variantes progressivas de tamanho (para mais ou para menos) e que repetem uma estrutura (ou estruturas dela derivadas) sucedem-se a si mesmas ou, às vezes, sobrepõem-se uma a outra. As alterações de cores ou de contrastes preto/branco nos desdobramentos formais estabelecem “vozes” que se articulam e se ampliam no espaço.
Antônio Maluf, pioneiro da arte concreta
É interessante ressaltar que, ao criar suas primeiras progressões crescentes e decrescentes, que resultaram no cartaz da I Bienal, a abstração geométrica dava seus primeiros passos na arte brasileira. No fim dos anos 1940, eram poucos os artistas que seguiam a corrente da abstração construtiva. Entre os pioneiros estavam: Abraham Palatnik, Almir Mavignier, Ivan Serpa, Luiz Sacilotto, Lothar Charoux, Mary Vieira e Waldemar Cordeiro.
A I Bienal do Museu de Arte Moderna de São Paulo, aberta em 1951, foi o grande acontecimento das artes e a primeira mostra realizada no Brasil de repercussão internacional. Representou, naquele ano, um marco para a história da arte brasileira. O evento contou com a presença de 20 países, foram expostas cerca de 1.800 obras de 729 artistas, sendo 489 estrangeiros. O sucesso foi tamanho que atraiu um público superior a 50 mil visitantes, fato inédito para a época.
A arte figurativa ainda era predominante na I Bienal. Portinari e Di Cavalcanti, presentes na mostra, atacavam o abstracionismo como arte alienada, e havia um poderoso movimento contra a abstração, liderado por intelectuais de esquerda. Desse modo, poucos artistas brasileiros apresentaram obras abstratas que foram aprovadas por um júri de seleção para compor a seção geral da Bienal. Foram eles: Antônio Maluf, Abraham Palatnik, Almir Mavignier, Antônio Bandeira, Casimiro (Kazmer) Féger, Gastone Novelli, Geraldo de Barros, Ivan Serpa, Lothar Charoux, Waldemar Cordeiro e Luiz Sacilotto, a maioria de tendência geométrica, construtiva.
Antônio Maluf venceu o concurso de cartaz do grande evento, ou seja, criou a imagem de divulgação da I Bienal e se projetou como artista de vanguarda. A competição tinha como jurado o artista e gravador Lívio Abramo, o crítico de arte Mário Pedrosa e o arquiteto Rino Levi. Maluf participou também com uma obra na seção geral da I Bienal, reservada a artistas de diversas nacionalidades que se submeteram a um júri de seleção. A obra escolhida para a seção geral da Bienal foi Equação dos Desenvolvimentos, realizada em guache sobre papel, hoje pertencente à coleção da Fundação Patricia Phelps de Cisneros (Caracas, Venezuela). O cartaz e o guache apresentados na I Bienal foram realizados aplicando o conceito das progressões crescentes e decrescentes.
A expressão construtiva já se manifestava entre alguns artistas de São Paulo e do Rio de Janeiro, mas foi a partir da I Bienal do Museu de Arte Moderna que a tendência na arte brasileira ganhou relevo. De certo modo, podemos afirmar que a Bienal fortaleceu os movimentos concretistas de São Paulo e do Rio de Janeiro ao premiar o cartaz de Antônio Maluf, a pintura de Ivan Serpa e o Aparelho Cinecromático, de Abraham Palatnik, além de apresentar nas representações internacionais diversos artistas abstrato-geométricos, como Sophie Tauber-Arp, Richard Paul Lohse, Hans Uhlmann, entre outros, e ter dado o prêmio para a escultura Unidade Tripartida, do artista suíço Max Bill.
Desconhecido até então como artista plástico, Antônio Maluf era um principiante quando foi revelado pela premiação na I Bienal. O cartaz teve enorme repercussão para sua carreira artística e representou seu ingresso definitivo na história da arte brasileira.
O cartaz, segundo Maluf, “foi feito de elementos estruturais que reiteram a forma retangular do suporte”. Para o artista, “o cartaz da I Bienal teve muita importância na divulgação da arte concreta porque sua função foi dupla: não só anunciava (o evento) como também anunciava todo um processo no qual o suporte vinha a ser o problema. No cartaz não se estava transportando nada; dizia ele: ‘isso sou eu, um retângulo’. Essa homenagem ao retângulo antecipa pelo menos em uma década outras homenagens a formas geométricas”2.
Hoje, o cartaz da I Bienal é um marco antológico do design gráfico brasileiro, um ícone da abstração geométrica e do concretismo no Brasil.
Naqueles anos, os artistas concretos buscavam uma definição de arte mais ampla, como produto. Havia o interesse de expandi-la para o design industrial, para o design gráfico e para a publicidade. Pretendiam inserir a atividade artística na produção industrial contemporânea, isto é, desejavam colocar a arte no cotidiano da vida urbana.
Antônio Maluf foi um dos primeiros artistas a abraçar esse conceito. Ele já trabalhava como designer gráfico desenvolvendo estamparias para a indústria têxtil pertencente a sua família. Depois estabeleceu vínculos com a arquitetura e realizou trabalhos gráficos para a publicidade. Outros concretistas também atuaram com design e publicidade: Waldemar Cordeiro era publicitário, ilustrador e paisagista; Geraldo de Barros era fotógrafo e desenhista industrial; Luiz Sacilotto era desenhista técnico.
Terminada a euforia da I Bienal, Antônio Maluf foi convidado por Mário Pedrosa para participar da I Exposição Nacional de Arte Abstrata, realizada no Hotel Quitandinha, em Petrópolis (RJ), que foi aberta em fevereiro de 1953, com a presença de vários políticos, entre eles Juscelino Kubitschek, na época governador de Minas Gerais.
Maluf era o único artista paulista na mostra do Hotel Quitandinha e apresentou uma têmpera sobre cartão com o título Progressões de Cor Crescentes e Decrescentes, realizada em 1951.
Mário Pedrosa, em artigo publicado na imprensa sobre a mostra, chamou atenção para a modulação de cores em sequências crescentes e decrescentes do jovem artista.
Para Antônio Maluf, as sequências ocorrem por causa da “equação dos desenvolvimentos”. Segundo o artista, a relação de equivalência que integra os elementos de linguagem com o suporte os transforma também em elemento de linguagem, ou seja, a imagem e o suporte estão integrados e ambos são significantes. Para ele, é nesse processo que se estabelece a informação visual e deve ser feita através da intervenção de formas integradas ao suporte e que são a ele referentes. O artista usa sistemas de princípios claros, trabalha as sequências matemáticas para produzir constantes, e através delas construir o espaço. Em sua opinião, na arte concreta as estruturas transformam-se sem a perda de sua base original.
No texto para o catálogo da exposição de Maluf, realizada no Centro Universitário Maria Antônia, da USP, Regina Teixeira de Barros afirma que o conceito de “equação dos desenvolvimentos” norteou toda a sua produção desde os anos 1950 até sua morte. Segundo ela, “entende-se por equação uma relação de igualdade que ocorre entre os elementos de linguagem e o suporte sobre o qual esses elementos são aplicados. Essa relação adquire o status de informação artística apenas quando a linguagem não tem outro ponto de referência a não ser o próprio suporte, e vice-versa. Isto é, os elementos de linguagem e o suporte deixam de significar isoladamente para criar uma relação de cumplicidade absoluta. Essa identificação entre as duas categorias distintas se transforma em informação artística concreta”.
Arte pública
Em 1960, Antônio Maluf conheceu o arquiteto Fábio Penteado, com quem estabeleceu uma amizade e uma parceria duradoura. Convidado pelo arquiteto para realizar o painel para o Edifício Brigadeiro, o artista enfrentou o desafio de trabalhar suas sequências matemáticas em grandes escalas e no espaço aberto da cidade. Essa relação com a arquitetura abriu novos caminhos para sua expressão plástica e provocou um fato curioso – finalmente, o recluso que não mostrava seu trabalho para ninguém expunha sua obra no espaço público, visível a milhares de pessoas, no cotidiano agitado da cidade de São Paulo.
Em seguida vieram inúmeros convites para desenvolver projetos de painéis em parceria com outros arquitetos, mas sem perder o vínculo com Fábio Penteado. Na década de 1960, Antônio Maluf voltou-se prioritariamente para o desenvolvimento desses projetos. Hoje, em seu acervo de obras, encontramos diversos estudos, esboços e anotações para orientar a produção dos murais, inclusive daqueles que acabaram não sendo construídos. Alguns desenhos contêm nas margens cálculos matemáticos e escalas de cor, para indicar a montagem dos painéis.
O arquiteto Lauro da Costa Lima, com quem já havia realizado um mural para o Edifício Cambuí, no bairro de Higienópolis, convidou-o para executar um grande painel para dois blocos do Edifício Vila Normanda. O painel previsto no projeto possuía cerca de 1.000 metros quadrados de área e foi construído em 1964. Maluf resolveu realizá-lo utilizando lajotas cerâmicas esmaltadas de um único formato, 30 x 15 centímetros. Cada lajota era um módulo, uma unidade formal retangular, como base em sua obra Subdivisões de Um Retângulo em Torno dos Eixos Ortogonais e Diagonais, realizada pelo artista em 1958.
“Através de três matrizes para silk-screen foram definidos 12 códigos possíveis de unidade. A articulação desses 12 códigos entre si, pelos quatro lados da lajota, permitiu que continuasse uma nova unidade de 192 códigos que possibilitaram revestir a área desejada de uma forma não repetitiva”, explica Maluf. Em outro depoimento, o artista afirma que seu objetivo foi criar uma estrutura sem começo nem fim.
Os estudos de estruturas para painéis foram utilizados posteriormente em uma série de produtos em padrões, principalmente para a indústria têxtil. Para o artista, “quando uma estrutura é obtida, passa a ser desdobrada em tudo aquilo que com ela se possa utilizar no campo do produto industrial”. Desse modo, na estamparia que chamou de Introdução à Linguagem Alfabética, o artista empregou a mesma estrutura não finita do mural realizado para o Edifício Cambuí: “Utilizei-a na estamparia do tecido e fiz ainda uma bricolagem com letras do alfabeto. Assim eu me servia de tais estruturas como possibilidades de produto à medida que iam surgindo”3.
A obra de Antônio Maluf seguiu uma trajetória em linha reta, sem altos nem baixos, sem declínio. Apesar de ter criado um sistema de articulação formal e cromática, os resultados foram sempre inovadores. Ao estabelecer novas articulações, gerava, também, diferentes percursos, ad infinitum, que tinham a capacidade de nos surpreender pela riqueza das variantes sem limites possíveis.
A despeito do rigor concretista, Maluf não ficou alheio à força da nova figuração que emergiu nos anos 1960, chamada por Mário Schenberg de nova objetividade. Vários artistas do movimento concretista abandonaram a abstração e adotaram a nova figuração, como Ivan Serpa, Maurício Nogueira Lima, Geraldo de Barros e até mesmo Waldemar Cordeiro. Nesse período, Maluf também introduziu elementos figurativos em algumas de suas obras. Contudo, mesmo nesses trabalhos a lógica estrutural se manteve concreta.
A exposição Antônio Maluf – Construções de Uma Equação, organizada pela Galeria Frente, com o apoio da família de Antônio Maluf, apresenta o artista de corpo inteiro. Expõe um conjunto de obras jamais reunido. Foram selecionados ..X.. (VER Nº FINAL DE OBRAS) trabalhos de variadas técnicas que abarcam todos os períodos de sua produção, desde as primeiras pinturas figurativas realizadas em seu período de formação, nos anos 1940, até obras do período final, no início do século 21, incluindo o último trabalho que Antônio Maluf deixou incompleto, ao falecer, em agosto de 2005.
* * *
No fim da década de 1940 e início dos anos 1950 houve grande efervescência cultural na cidade de São Paulo. Em 1947, foi criado o Museu de Arte de São Paulo e, no ano seguinte, o Museu de Arte Moderna. Ambas as instituições provocaram mudanças significativas no ambiente artístico da urbe que se transformava velozmente em metrópole. Outras iniciativas, como a criação do Teatro Brasileiro de Comédia (1948) e da Companhia Cinematográfica Vera Cruz (1949), enriqueceram ainda mais a vida cultural paulistana. A indústria em crescimento e a força da economia cafeeira financiavam essas ações.
Na agitação daqueles anos surgiu uma geração de artistas contrários à acomodação modernista, entre eles Antônio Maluf, à procura de novas linguagens visuais, compatíveis com a industrialização crescente e a transformação acelerada da cidade de São Paulo.
A dinâmica dos novos museus e a criação da Bienal de São Paulo ajudaram a acertar nosso “relógio” cultural com as vanguardas artísticas mundiais e ampliaram a polêmica em relação às novas tendências estéticas.
Algumas exposições realizadas nos recém-inaugurados museus causaram bulício e provocaram grande impacto no meio cultural, principalmente as de Alexander Calder, em 1948, e de Max Bill, em 1950, ambas no Masp, e a mostra Do Figurativismo ao Abstracionismo, em 1949, no MAM-SP, que acirrou a polêmica figuração versus abstração e contribuiu para o fortalecimento da corrente abstrata junto à nova geração.
Vale lembrar que, na época, os comunistas, que tinham forte presença no meio artístico e cultural, condenavam a arte abstrata. Segundo eles, o abstracionismo servia aos interesses do imperialismo americano. Portinari e Di Cavalcanti, por exemplo, alegando a função de denúncia social da arte, tornaram-se inimigos públicos da abstração.
Contudo, as atividades dos museus obedeciam a outros critérios e ajudaram a internacionalizar o meio cultural paulista e abrir espaço para a arte abstrata. Logo o Masp e o MAM se transformaram em ponto de encontro de jovens artistas. As exposições também provocaram grande impacto junto à população. Há dados oficiais da época que informam a presença de 80 mil visitantes no Masp em 1950.
Nesses encontros, os artistas debatiam as vanguardas europeias e passaram a se interessar por novos temas – como fotografia, design, paisagismo, fashion design –, que ampliavam a discussão da arte e de sua função na sociedade.
Mesmo acusados de fazer o jogo do imperialismo ianque, alguns artistas da jovem geração adotaram a arte abstrata e se interessaram pelo desenho industrial. Naqueles anos, os conceitos da Gestalt (termo que em alemão significa o todo unificado) eram ainda novidade no meio artístico, que passou a discuti-los após Mário Pedrosa ter apresentado no Rio de Janeiro, em 1949, sua tese “Da natureza afetiva da forma na obra de arte”.
Os princípios da Gestalt e os estudos de percepção visual foram adotados por Antônio Maluf e pelos artistas construtivos.
Anos de formação
Foi nesse contexto – de rupturas, de transformações e de internacionalismo cultural – que Antônio Maluf se iniciou como artista. Primeiramente, estudou desenho, gravura e pintura com Flávio Motta, Waldemar da Costa, Nelson Nóbrega, Poty Lazarotto, Darel Valença Lins e Aldemir Martins. Depois, frequentou por curto período o ateliê de Samson Flexor, onde produziu algumas pinturas figurativas, nas quais já percebemos o interesse pelo arcabouço geométrico da estrutura espacial. O caminho da abstração era perceptível em sua obra. Curiosamente, Antônio Maluf abandonou as aulas pouco antes de Flexor criar o Ateliê Abstração e se distanciou das ideias propostas por ele.
Segundo o artista, os conceitos fundamentais para o desenvolvimento de sua linguagem foram adquiridos nos cursos ministrados pelo Instituto de Arte Contemporânea do Masp – IAC, principalmente nas aulas de Zoltan Hedegus. Para Maluf, as aulas de materiais do professor foram decisivas: “A partir da colocação de Hedegus pode-se entender o conceito de arte concreta como o de uma estrutura que se transforma sem a perda de sua base original”1. Foi a partir desse pensamento de Hegedus, ministrado no curso de desenho industrial e voltado para resolver problemas de design, que Maluf criou as bases artísticas de sua linguagem visual.
O artista recluso
Ao abandonar o IAC, Antônio Maluf iniciou um processo de criação independente e solitário, caso raro na arte contemporânea brasileira. Durante toda a sua carreira, não participou de grupos e de tendências estéticas nem assinou manifestos de correntes artísticas. Enquanto viveu, por opção pessoal, sua obra raramente foi exposta. Até hoje, a maior parte de sua produção permanece inédita.
Realizou em vida apenas duas mostras individuais: a primeira na galeria Cosme Velho, em 1968, e a segunda no Centro Universitário Maria Antônia, em 2002, com curadoria de Regina Teixeira de Barros.
Antônio Maluf foi um pioneiro: adotou o conceito da arte concreta antes de o grupo liderado por Waldemar Cordeiro publicar seu manifesto e criar o Ruptura, em 1952, do qual não participou.
Afável e cheio de amigos, era comunicativo e, anos mais tarde, no período em que dirigiu a galeria Seta, manteve intensa presença na vida cultural brasileira. Mas, ao mesmo tempo, era um artista totalmente recluso: criava e guardava para si tudo que produzia. Com exceção de seus murais realizados em edifícios e, portanto, com grande visibilidade, seus trabalhos raramente eram exibidos fora de seu ateliê. Poucos amigos tinham acesso a sua produção. Entretanto, deixou vasta obra, executada com rigor, e trabalhou ininterruptamente até sua morte.
Exigente em seu fazer artístico, durante cinco décadas sua produção obedeceu ao conceito da “equação dos desenvolvimentos”. Sem fugir de seus princípios, procurou expandir, no limite do possível, os resultados formais e cromáticos dessa aventura construtiva.
O princípio das progressões crescentes e decrescentes, adotado em 1951, antes do concurso de cartaz para a I Bienal, manteve-se presente durante toda a sua trajetória de artista, inclusive na derradeira obra, iniciada e não concluída, alguns meses antes de falecer, em 2005.
Desde o início, Antônio Maluf definiu-se por uma abstração geométrica de precisão – de régua e compasso. Mesmo assim, o rigor construtivo baseado em cálculos matemáticos não impediu a criação de um rico e diversificado universo visual, de percursos contínuos e sem fim, que se expandem e se retraem, oriundo dos desdobramentos progressivos de forma e de variações rítmicas com alternâncias de cor.
Em sua obra, a matemática aplicada transforma-se em poesia e o autor comprova que a disciplina e a obediência a uma equação não são empecilhos para a autonomia da criação, assim como a métrica de um soneto não tira a liberdade do poeta.
Quando observamos o princípio da fuga na obra musical de Johan Sebastian Bach, percebemos certa afinidade poética, certo paralelo musical com a tese construtiva adotada por Antônio Maluf em suas composições visuais. Na arte da fuga, a apresentação do sujeito musical acontece no início, com uma voz solitária cantando toda a fuga. Depois outra voz entra em sequência cantando o sujeito inicial, e outras vozes retomam o tema, sempre esperando a voz anterior concluir antes de entrar, obedecendo a ordem: baixo, tenor, contralto e soprano. Antônio Maluf constrói o espaço pictórico a partir de uma unidade formal (o sujeito) e estabelece progressões crescentes e decrescentes da forma inicial (matriz). Desse modo, as formas que se sucedem com variantes progressivas de tamanho (para mais ou para menos) e que repetem uma estrutura (ou estruturas dela derivadas) sucedem-se a si mesmas ou, às vezes, sobrepõem-se uma a outra. As alterações de cores ou de contrastes preto/branco nos desdobramentos formais estabelecem “vozes” que se articulam e se ampliam no espaço.
Antônio Maluf, pioneiro da arte concreta
É interessante ressaltar que, ao criar suas primeiras progressões crescentes e decrescentes, que resultaram no cartaz da I Bienal, a abstração geométrica dava seus primeiros passos na arte brasileira. No fim dos anos 1940, eram poucos os artistas que seguiam a corrente da abstração construtiva. Entre os pioneiros estavam: Abraham Palatnik, Almir Mavignier, Ivan Serpa, Luiz Sacilotto, Lothar Charoux, Mary Vieira e Waldemar Cordeiro.
A I Bienal do Museu de Arte Moderna de São Paulo, aberta em 1951, foi o grande acontecimento das artes e a primeira mostra realizada no Brasil de repercussão internacional. Representou, naquele ano, um marco para a história da arte brasileira. O evento contou com a presença de 20 países, foram expostas cerca de 1.800 obras de 729 artistas, sendo 489 estrangeiros. O sucesso foi tamanho que atraiu um público superior a 50 mil visitantes, fato inédito para a época.
A arte figurativa ainda era predominante na I Bienal. Portinari e Di Cavalcanti, presentes na mostra, atacavam o abstracionismo como arte alienada, e havia um poderoso movimento contra a abstração, liderado por intelectuais de esquerda. Desse modo, poucos artistas brasileiros apresentaram obras abstratas que foram aprovadas por um júri de seleção para compor a seção geral da Bienal. Foram eles: Antônio Maluf, Abraham Palatnik, Almir Mavignier, Antônio Bandeira, Casimiro (Kazmer) Féger, Gastone Novelli, Geraldo de Barros, Ivan Serpa, Lothar Charoux, Waldemar Cordeiro e Luiz Sacilotto, a maioria de tendência geométrica, construtiva.
Antônio Maluf venceu o concurso de cartaz do grande evento, ou seja, criou a imagem de divulgação da I Bienal e se projetou como artista de vanguarda. A competição tinha como jurado o artista e gravador Lívio Abramo, o crítico de arte Mário Pedrosa e o arquiteto Rino Levi. Maluf participou também com uma obra na seção geral da I Bienal, reservada a artistas de diversas nacionalidades que se submeteram a um júri de seleção. A obra escolhida para a seção geral da Bienal foi Equação dos Desenvolvimentos, realizada em guache sobre papel, hoje pertencente à coleção da Fundação Patricia Phelps de Cisneros (Caracas, Venezuela). O cartaz e o guache apresentados na I Bienal foram realizados aplicando o conceito das progressões crescentes e decrescentes.
A expressão construtiva já se manifestava entre alguns artistas de São Paulo e do Rio de Janeiro, mas foi a partir da I Bienal do Museu de Arte Moderna que a tendência na arte brasileira ganhou relevo. De certo modo, podemos afirmar que a Bienal fortaleceu os movimentos concretistas de São Paulo e do Rio de Janeiro ao premiar o cartaz de Antônio Maluf, a pintura de Ivan Serpa e o Aparelho Cinecromático, de Abraham Palatnik, além de apresentar nas representações internacionais diversos artistas abstrato-geométricos, como Sophie Tauber-Arp, Richard Paul Lohse, Hans Uhlmann, entre outros, e ter dado o prêmio para a escultura Unidade Tripartida, do artista suíço Max Bill.
Desconhecido até então como artista plástico, Antônio Maluf era um principiante quando foi revelado pela premiação na I Bienal. O cartaz teve enorme repercussão para sua carreira artística e representou seu ingresso definitivo na história da arte brasileira.
O cartaz, segundo Maluf, “foi feito de elementos estruturais que reiteram a forma retangular do suporte”. Para o artista, “o cartaz da I Bienal teve muita importância na divulgação da arte concreta porque sua função foi dupla: não só anunciava (o evento) como também anunciava todo um processo no qual o suporte vinha a ser o problema. No cartaz não se estava transportando nada; dizia ele: ‘isso sou eu, um retângulo’. Essa homenagem ao retângulo antecipa pelo menos em uma década outras homenagens a formas geométricas”2.
Hoje, o cartaz da I Bienal é um marco antológico do design gráfico brasileiro, um ícone da abstração geométrica e do concretismo no Brasil.
Naqueles anos, os artistas concretos buscavam uma definição de arte mais ampla, como produto. Havia o interesse de expandi-la para o design industrial, para o design gráfico e para a publicidade. Pretendiam inserir a atividade artística na produção industrial contemporânea, isto é, desejavam colocar a arte no cotidiano da vida urbana.
Antônio Maluf foi um dos primeiros artistas a abraçar esse conceito. Ele já trabalhava como designer gráfico desenvolvendo estamparias para a indústria têxtil pertencente a sua família. Depois estabeleceu vínculos com a arquitetura e realizou trabalhos gráficos para a publicidade. Outros concretistas também atuaram com design e publicidade: Waldemar Cordeiro era publicitário, ilustrador e paisagista; Geraldo de Barros era fotógrafo e desenhista industrial; Luiz Sacilotto era desenhista técnico.
Terminada a euforia da I Bienal, Antônio Maluf foi convidado por Mário Pedrosa para participar da I Exposição Nacional de Arte Abstrata, realizada no Hotel Quitandinha, em Petrópolis (RJ), que foi aberta em fevereiro de 1953, com a presença de vários políticos, entre eles Juscelino Kubitschek, na época governador de Minas Gerais.
Maluf era o único artista paulista na mostra do Hotel Quitandinha e apresentou uma têmpera sobre cartão com o título Progressões de Cor Crescentes e Decrescentes, realizada em 1951.
Mário Pedrosa, em artigo publicado na imprensa sobre a mostra, chamou atenção para a modulação de cores em sequências crescentes e decrescentes do jovem artista.
Para Antônio Maluf, as sequências ocorrem por causa da “equação dos desenvolvimentos”. Segundo o artista, a relação de equivalência que integra os elementos de linguagem com o suporte os transforma também em elemento de linguagem, ou seja, a imagem e o suporte estão integrados e ambos são significantes. Para ele, é nesse processo que se estabelece a informação visual e deve ser feita através da intervenção de formas integradas ao suporte e que são a ele referentes. O artista usa sistemas de princípios claros, trabalha as sequências matemáticas para produzir constantes, e através delas construir o espaço. Em sua opinião, na arte concreta as estruturas transformam-se sem a perda de sua base original.
No texto para o catálogo da exposição de Maluf, realizada no Centro Universitário Maria Antônia, da USP, Regina Teixeira de Barros afirma que o conceito de “equação dos desenvolvimentos” norteou toda a sua produção desde os anos 1950 até sua morte. Segundo ela, “entende-se por equação uma relação de igualdade que ocorre entre os elementos de linguagem e o suporte sobre o qual esses elementos são aplicados. Essa relação adquire o status de informação artística apenas quando a linguagem não tem outro ponto de referência a não ser o próprio suporte, e vice-versa. Isto é, os elementos de linguagem e o suporte deixam de significar isoladamente para criar uma relação de cumplicidade absoluta. Essa identificação entre as duas categorias distintas se transforma em informação artística concreta”.
Arte pública
Em 1960, Antônio Maluf conheceu o arquiteto Fábio Penteado, com quem estabeleceu uma amizade e uma parceria duradoura. Convidado pelo arquiteto para realizar o painel para o Edifício Brigadeiro, o artista enfrentou o desafio de trabalhar suas sequências matemáticas em grandes escalas e no espaço aberto da cidade. Essa relação com a arquitetura abriu novos caminhos para sua expressão plástica e provocou um fato curioso – finalmente, o recluso que não mostrava seu trabalho para ninguém expunha sua obra no espaço público, visível a milhares de pessoas, no cotidiano agitado da cidade de São Paulo.
Em seguida vieram inúmeros convites para desenvolver projetos de painéis em parceria com outros arquitetos, mas sem perder o vínculo com Fábio Penteado. Na década de 1960, Antônio Maluf voltou-se prioritariamente para o desenvolvimento desses projetos. Hoje, em seu acervo de obras, encontramos diversos estudos, esboços e anotações para orientar a produção dos murais, inclusive daqueles que acabaram não sendo construídos. Alguns desenhos contêm nas margens cálculos matemáticos e escalas de cor, para indicar a montagem dos painéis.
O arquiteto Lauro da Costa Lima, com quem já havia realizado um mural para o Edifício Cambuí, no bairro de Higienópolis, convidou-o para executar um grande painel para dois blocos do Edifício Vila Normanda. O painel previsto no projeto possuía cerca de 1.000 metros quadrados de área e foi construído em 1964. Maluf resolveu realizá-lo utilizando lajotas cerâmicas esmaltadas de um único formato, 30 x 15 centímetros. Cada lajota era um módulo, uma unidade formal retangular, como base em sua obra Subdivisões de Um Retângulo em Torno dos Eixos Ortogonais e Diagonais, realizada pelo artista em 1958.
“Através de três matrizes para silk-screen foram definidos 12 códigos possíveis de unidade. A articulação desses 12 códigos entre si, pelos quatro lados da lajota, permitiu que continuasse uma nova unidade de 192 códigos que possibilitaram revestir a área desejada de uma forma não repetitiva”, explica Maluf. Em outro depoimento, o artista afirma que seu objetivo foi criar uma estrutura sem começo nem fim.
Os estudos de estruturas para painéis foram utilizados posteriormente em uma série de produtos em padrões, principalmente para a indústria têxtil. Para o artista, “quando uma estrutura é obtida, passa a ser desdobrada em tudo aquilo que com ela se possa utilizar no campo do produto industrial”. Desse modo, na estamparia que chamou de Introdução à Linguagem Alfabética, o artista empregou a mesma estrutura não finita do mural realizado para o Edifício Cambuí: “Utilizei-a na estamparia do tecido e fiz ainda uma bricolagem com letras do alfabeto. Assim eu me servia de tais estruturas como possibilidades de produto à medida que iam surgindo”3.
A obra de Antônio Maluf seguiu uma trajetória em linha reta, sem altos nem baixos, sem declínio. Apesar de ter criado um sistema de articulação formal e cromática, os resultados foram sempre inovadores. Ao estabelecer novas articulações, gerava, também, diferentes percursos, ad infinitum, que tinham a capacidade de nos surpreender pela riqueza das variantes sem limites possíveis.
A despeito do rigor concretista, Maluf não ficou alheio à força da nova figuração que emergiu nos anos 1960, chamada por Mário Schenberg de nova objetividade. Vários artistas do movimento concretista abandonaram a abstração e adotaram a nova figuração, como Ivan Serpa, Maurício Nogueira Lima, Geraldo de Barros e até mesmo Waldemar Cordeiro. Nesse período, Maluf também introduziu elementos figurativos em algumas de suas obras. Contudo, mesmo nesses trabalhos a lógica estrutural se manteve concreta.
A exposição Antônio Maluf – Construções de Uma Equação, organizada pela Galeria Frente, com o apoio da família de Antônio Maluf, apresenta o artista de corpo inteiro. Expõe um conjunto de obras jamais reunido. Foram selecionados ..X.. (VER Nº FINAL DE OBRAS) trabalhos de variadas técnicas que abarcam todos os períodos de sua produção, desde as primeiras pinturas figurativas realizadas em seu período de formação, nos anos 1940, até obras do período final, no início do século 21, incluindo o último trabalho que Antônio Maluf deixou incompleto, ao falecer, em agosto de 2005.
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01/04/2011 - Texto Crítico da Exposição - Galeria Berenice Arvani
Antonio Maluf - Operario da Arte
Por Celso Fioravante
Antonio Maluf - Operario da Arte
Por Celso Fioravante
O paulistano Antônio Maluf (1926-2005) deve ser lembrado, sem qualquer exagero, como um dos mais importantes (e complexos) trabalhadores da arte brasileira no século 20. Maluf foi, simultaneamente, designer gráfico, marchand e artista plástico, e se destacou enormemente nas três atividades.
Aos 20 anos de idade, Maluf pensava que poderia ser engenheiro. Em 1947, entrou na faculdade de Engenharia da Universidade do Paraná (Curitiba). No ano seguinte se transferiu para o curso de engenharia civil do Mackenzie (São Paulo), mas não concluiu o curso. Naquele mesmo ano começou a trabalhar na empresa da família, a Estamparia e Beneficiadora de Tecido Victoria (em atividade até 1964), onde desenvolveu padrões de estamparia. Era o início de uma vida dedicada às artes plásticas, gráficas e aplicadas.
Nos anos de 1948 e 1949, freqüentou os ateliês de Waldemar da Costa, Nelson Nóbrega e de Samson Flexor, com os quais aprendeu os primeiros fundamentos de pintura. Em 1950 passou a freqüentar a Escola Livre de Artes Plásticas, dirigida por Flávio Motta.
No mesmo ano fez cursos de litografia e gravura em metal no MASP com Darel Valença Lins, Poty Lazarotto e Aldemir Martins.
Em 1951, o Instituto de Arte Contemporânea do Museu de Arte de São Paulo (IAC-MASP) criou o primeiro curso de desenho industrial da América Latina. Maluf conseguiu uma das 30 vagas disponíveis, mas freqüentou o curso por poucos meses. Apesar do curto período, os ensinamentos de Pietro Maria Bardi, Flávio Motta, Jacob Ruchti, Salvador Candia, Wolfgang Pfeifer, Lina Bo Bardi, Roberto Sambonet e Zoltan Hegedus foram fundamentais na formação de Maluf que, naquele mesmo ano, fez sua retumbante estréia nas artes gráficas.
O artista gráfico
Em 1951, Maluf venceu o concurso de cartazes da 1ª Bienal Internacional de São Paulo, depois de ser avaliado por um júri formado por Lívio Abramo, Mário Pedrosa e Rino Levi. Seu cartaz concretista é considerado o marco zero do design gráfico moderno no Brasil.
O cartaz era uma adaptação de uma de suas primeiras pinturas concretas, o guache “Equação dos Desenvolvimentos em Progressões Crescentes e Decrescentes”, datado de março de 1951, exibido nesta mostra. A versão final do cartaz, também em guache, foi doada pelo próprio artista à Pinacoteca do Estado de São Paulo em 2000.
“O trabalho que realizei no início de 1951, e que depois se tornou o cartaz da Primeira Bienal de São Paulo, é feito de elementos estruturais que reiteram a forma retangular do suporte. Os elementos não estão lá ilustrando algo: os elementos formais reiteram o suporte retangular. Não é aplicação. Entendo que o cartaz da 1ª Bienal teve muita importância na divulgação da arte concreta porque sua função foi dupla: não só se enunciava, como também anunciava todo um processo no qual o suporte vinha a ser um problema. No cartaz não se estava transportando nada. Dizia ele: isso sou eu, um retângulo. Essa homenagem ao retângulo antecipa pelo menos em uma década outras homenagens a formas geométricas”, explicou o artista no texto “O conceito de arte concreta a partir do meu trabalho”, publicado no livro “Arte Concreta Paulista” (Cosac & Naify, 2002). Além do cartaz, Maluf participou da 1ª Bienal com o guache sobre papel “Equação dos Desenvolvimentos” (1951), hoje na coleção da empresária e colecionadora venezuelana Patrícia de Cisneros.
A atuação de Maluf como designer gráfico e programador visual não se limitou à criação de logomarcas, publicidades, outdoors e outros cartazes premiados, como o da 19ª Exposição Agropecuária e Industrial de Juiz de Fora (MG, 1957), cujo júri era formado por Ivan Serpa, José Roberto Teixeira Leite e Ferreira Gullar.
Sua adesão (e de tantos outros artistas) às práticas do desenho industrial e das artes gráficas era parte de uma atmosfera cultural que envolvia a cidade nos anos 50. Maluf se inseria na mesma linhagem de outros artistas concretos paulistas, que não descendiam da Academia, mas sim dos pintores proletários paulistas dos anos 30 e 40, e por isso se encaminharam para profissões técnicas, como o desenho industrial, a comunicação visual e a publicidade. Era a maneira que encontrou para interferir diretamente no desenvolvimento urbano da cidade e no cotidiano da população.
A moda e a arquitetura
Esse desejo de interferência se manifestou em Maluf em um viés político, como, por exemplo, quando fundou a Associação Brasileira de Desenho Industrial (1964), junto com Décio Pignatari, Alexandre Wollner e outros. Manifestou-se ainda pelo viés estético, ao interferir diretamente na moda e na arquitetura com suas criações.
A inserção de Maluf na moda começou em 1948, quando criou as primeiras padronagens para a estamparia da família, e prosseguiu nas décadas de 50 e 60, com a criação de estampas e tecidos pintados a mão para as casas de moda (Casa Vogue, Madame Rosita, Chinchila) e tecelagens da época, como Tricot-lã e Rhodia.
A relação de Maluf com a arquitetura começou nos anos 50, com a criação de um painel de pastilhas na piscina da residência de Joubert Santos, em São Paulo, mas se profissionalizou em 1960, quando o artista conheceu o arquiteto Fábio Penteado, para quem desenvolveu diversos murais e painéis de cerâmica, como os do Edifício Brigadeiro (São Paulo, 1960), Banco Noroeste (Guarulhos, 1962), Escritório de Advocacia Alberto Brandão Muylaert (São Paulo, 1962), Tênis Clube de Campinas (1971) e Caixa Econômica de Bastos (SP, 1973), além das estruturas modulares do teto da Sociedade Harmonia de Tênis (São Paulo, 1964).
Outra parceria arquitetônica frutífera foi com o arquiteto Lauro Costa Lima, para quem realizou o painel da fachada do edifício Cambuí (São Paulo, 1963) e também seu projeto mais conhecido: o painel da fachada do edifício Vila Normanda (1964), no centro de São Paulo, composto por cerca de 1.000 m2 de lajotas de cerâmica esmaltada 30 x 15 cm. Nos dois projetos aplicou o postulado estético Equação de Desenvolvimentos, de sua autoria e já aplicado anteriormente no painel do Banco Noroeste (1962).
No Vila Normanda, por exemplo, Maluf cortou um retângulo em duas diagonais e criou quatro triângulos, que combinados permitiram a formação de 12 variantes, com as quais criou composições infinitas pautadas em equilíbrio, ritmo e contraste de três cores: azul, branco e cinza. Ao combinar elementos do desenho industrial e da arte concreta em módulos semelhantes, alternando-os infinitamente, Maluf gerou uma infinidade de padrões não repetitivos e utilizou tal fórmula em sua produção nas artes plásticas, gráficas e aplicadas, que, por sinal, estavam intimamente associadas e interagiam umas sobre as outras.
A última experiência de Maluf com arquitetura se deu em parceria com Vilanova Artigas, para quem realizou um mural na entrada do edifício do Sindicato dos Motoristas (São Paulo, 1973), baseado na obra “Caminho sem Fim” (1959), presente nesta exposição.
O comércio de arte
Embora continuasse a se dedicar intensamente à produção de artes plásticas, gráficas e aplicadas, no final dos anos 60 Maluf arrumou outro interesse: o comércio de arte. Em 1968, foi convidado pelo galerista Pedro Manuel Gismondi a assumir a direção-artística da Galeria Seta. Também em 1968, realizou a única exposição comercial de sua vida, na Galeria Cosme Velho, onde apresentou pinturas sobre tecidos de lã. Esses dois eventos ligados às duas galerias mais importantes em São Paulo nos anos 60 e 70, transformaram radicalmente a vida de Maluf.
“O Cesar Luis Pires de Mello organizou uma mostra de trabalhos meus na Galeria Cosme Velho. Eu nem fui ao vernissage, pois estava trabalhando na Seta, que já estava à venda em 1968. Na saída da galeria, por volta de meia-noite, passei na frente da Cosme Velho e encontrei o Flávio de Almeida Prado na porta, que me disse que tinham vendido todos os meus trabalhos. Com aquele dinheiro acabei comprando a Seta. Aprendi logo que era mais fácil vender as obras dos outros que as minhas”, disse Maluf, que manteve a galeria aberta ao público até 1986, quando a transformou em escritório de arte.
A opção de Maluf por não expor e comercializar suas próprias obras tem explicações. Uma delas é que, apesar de ter mantido uma galeria aberta por cerca de 20 anos e ter pintado até os últimos dias de sua vida, Maluf sabia que misturar a sua produção com o trabalho de galerista poderia produzir um conflito ético e prejudicar as duas atividades: a comercial e a artística.
Outra explicação é sua multiplicidade de interesses (publicidade, design gráfico, moda, arquitetura, curadoria, comércio de arte), que o impedia de se dedicar exclusivamente à promoção de sua carreira artística.
E por fim sua singular trajetória no circuito de arte. Apesar de adotar o concretismo, a moda nos anos 50, e de ser amigo dos mais importantes artistas da época, Maluf nunca se ligou a grupos, como o Ateliê Abstração (de Samson Flexor) ou o Grupo Ruptura (de Waldemar Cordeiro). Maluf sempre optou pela independência absoluta, algo que fez com que sua produção artística não recebesse a devida atenção no conjunto do movimento concreto brasileiro, sobretudo paulista.
O artista concreto
Informado e culto, Maluf se dedicou à arte concreta antes mesmo de ela se estabelecer no Brasil. No final dos anos 40, quando ainda assinava Toni, alguns de seus trabalhos figurativos já trazem padrões abstrato-geométricos no fundo. Era um prenúncio do que viria a ser toda a produção artística a partir de 1951, quando entrou em contato com a produção de Max Bill na individual do artista suíço no MASP. “Influenciou-me e deu confiança de rumo”, disse em depoimento ao crítico de arte e historiador Walter Zanini em 1980.
Dali em diante, toda a sua produção se pautou no detalhamento minucioso, na geometria, em cálculos precisos, em ângulos e medidas exatas, na absoluta economia de meios, no rigor de esquemas matemáticos, na racionalização e na quantificação dos dados disponíveis, em método e organização.
Em seus trabalhos mais conhecidos, as “Progressões Crescentes e Decrescentes”, produzidos do início dos anos 50 até os últimos anos de sua vida, Antônio Maluf parte da repetição de uma mesma estrutura geométrica para criar um ritmo que se amplia e se perpetua ad infinitum, mas sem monotonia, pois se utiliza da combinação de cores com tonalidades puras e contrastantes.
Erudito, o artista se fundamenta na teoria alemã da Gestalt (em evidência entre os concretistas graças a Mário Pedrosa), que afirma que o cérebro humano, durante a percepção da imagem, produz uma interação entre todos os elementos disponíveis (continuidade, semelhança, unidade, simplicidade, distância, fundo, figura etc) para criar a visão do todo. E para Maluf, o todo era a reunião de uma infinidade de detalhes.
* * *
Aos 20 anos de idade, Maluf pensava que poderia ser engenheiro. Em 1947, entrou na faculdade de Engenharia da Universidade do Paraná (Curitiba). No ano seguinte se transferiu para o curso de engenharia civil do Mackenzie (São Paulo), mas não concluiu o curso. Naquele mesmo ano começou a trabalhar na empresa da família, a Estamparia e Beneficiadora de Tecido Victoria (em atividade até 1964), onde desenvolveu padrões de estamparia. Era o início de uma vida dedicada às artes plásticas, gráficas e aplicadas.
Nos anos de 1948 e 1949, freqüentou os ateliês de Waldemar da Costa, Nelson Nóbrega e de Samson Flexor, com os quais aprendeu os primeiros fundamentos de pintura. Em 1950 passou a freqüentar a Escola Livre de Artes Plásticas, dirigida por Flávio Motta.
No mesmo ano fez cursos de litografia e gravura em metal no MASP com Darel Valença Lins, Poty Lazarotto e Aldemir Martins.
Em 1951, o Instituto de Arte Contemporânea do Museu de Arte de São Paulo (IAC-MASP) criou o primeiro curso de desenho industrial da América Latina. Maluf conseguiu uma das 30 vagas disponíveis, mas freqüentou o curso por poucos meses. Apesar do curto período, os ensinamentos de Pietro Maria Bardi, Flávio Motta, Jacob Ruchti, Salvador Candia, Wolfgang Pfeifer, Lina Bo Bardi, Roberto Sambonet e Zoltan Hegedus foram fundamentais na formação de Maluf que, naquele mesmo ano, fez sua retumbante estréia nas artes gráficas.
O artista gráfico
Em 1951, Maluf venceu o concurso de cartazes da 1ª Bienal Internacional de São Paulo, depois de ser avaliado por um júri formado por Lívio Abramo, Mário Pedrosa e Rino Levi. Seu cartaz concretista é considerado o marco zero do design gráfico moderno no Brasil.
O cartaz era uma adaptação de uma de suas primeiras pinturas concretas, o guache “Equação dos Desenvolvimentos em Progressões Crescentes e Decrescentes”, datado de março de 1951, exibido nesta mostra. A versão final do cartaz, também em guache, foi doada pelo próprio artista à Pinacoteca do Estado de São Paulo em 2000.
“O trabalho que realizei no início de 1951, e que depois se tornou o cartaz da Primeira Bienal de São Paulo, é feito de elementos estruturais que reiteram a forma retangular do suporte. Os elementos não estão lá ilustrando algo: os elementos formais reiteram o suporte retangular. Não é aplicação. Entendo que o cartaz da 1ª Bienal teve muita importância na divulgação da arte concreta porque sua função foi dupla: não só se enunciava, como também anunciava todo um processo no qual o suporte vinha a ser um problema. No cartaz não se estava transportando nada. Dizia ele: isso sou eu, um retângulo. Essa homenagem ao retângulo antecipa pelo menos em uma década outras homenagens a formas geométricas”, explicou o artista no texto “O conceito de arte concreta a partir do meu trabalho”, publicado no livro “Arte Concreta Paulista” (Cosac & Naify, 2002). Além do cartaz, Maluf participou da 1ª Bienal com o guache sobre papel “Equação dos Desenvolvimentos” (1951), hoje na coleção da empresária e colecionadora venezuelana Patrícia de Cisneros.
A atuação de Maluf como designer gráfico e programador visual não se limitou à criação de logomarcas, publicidades, outdoors e outros cartazes premiados, como o da 19ª Exposição Agropecuária e Industrial de Juiz de Fora (MG, 1957), cujo júri era formado por Ivan Serpa, José Roberto Teixeira Leite e Ferreira Gullar.
Sua adesão (e de tantos outros artistas) às práticas do desenho industrial e das artes gráficas era parte de uma atmosfera cultural que envolvia a cidade nos anos 50. Maluf se inseria na mesma linhagem de outros artistas concretos paulistas, que não descendiam da Academia, mas sim dos pintores proletários paulistas dos anos 30 e 40, e por isso se encaminharam para profissões técnicas, como o desenho industrial, a comunicação visual e a publicidade. Era a maneira que encontrou para interferir diretamente no desenvolvimento urbano da cidade e no cotidiano da população.
A moda e a arquitetura
Esse desejo de interferência se manifestou em Maluf em um viés político, como, por exemplo, quando fundou a Associação Brasileira de Desenho Industrial (1964), junto com Décio Pignatari, Alexandre Wollner e outros. Manifestou-se ainda pelo viés estético, ao interferir diretamente na moda e na arquitetura com suas criações.
A inserção de Maluf na moda começou em 1948, quando criou as primeiras padronagens para a estamparia da família, e prosseguiu nas décadas de 50 e 60, com a criação de estampas e tecidos pintados a mão para as casas de moda (Casa Vogue, Madame Rosita, Chinchila) e tecelagens da época, como Tricot-lã e Rhodia.
A relação de Maluf com a arquitetura começou nos anos 50, com a criação de um painel de pastilhas na piscina da residência de Joubert Santos, em São Paulo, mas se profissionalizou em 1960, quando o artista conheceu o arquiteto Fábio Penteado, para quem desenvolveu diversos murais e painéis de cerâmica, como os do Edifício Brigadeiro (São Paulo, 1960), Banco Noroeste (Guarulhos, 1962), Escritório de Advocacia Alberto Brandão Muylaert (São Paulo, 1962), Tênis Clube de Campinas (1971) e Caixa Econômica de Bastos (SP, 1973), além das estruturas modulares do teto da Sociedade Harmonia de Tênis (São Paulo, 1964).
Outra parceria arquitetônica frutífera foi com o arquiteto Lauro Costa Lima, para quem realizou o painel da fachada do edifício Cambuí (São Paulo, 1963) e também seu projeto mais conhecido: o painel da fachada do edifício Vila Normanda (1964), no centro de São Paulo, composto por cerca de 1.000 m2 de lajotas de cerâmica esmaltada 30 x 15 cm. Nos dois projetos aplicou o postulado estético Equação de Desenvolvimentos, de sua autoria e já aplicado anteriormente no painel do Banco Noroeste (1962).
No Vila Normanda, por exemplo, Maluf cortou um retângulo em duas diagonais e criou quatro triângulos, que combinados permitiram a formação de 12 variantes, com as quais criou composições infinitas pautadas em equilíbrio, ritmo e contraste de três cores: azul, branco e cinza. Ao combinar elementos do desenho industrial e da arte concreta em módulos semelhantes, alternando-os infinitamente, Maluf gerou uma infinidade de padrões não repetitivos e utilizou tal fórmula em sua produção nas artes plásticas, gráficas e aplicadas, que, por sinal, estavam intimamente associadas e interagiam umas sobre as outras.
A última experiência de Maluf com arquitetura se deu em parceria com Vilanova Artigas, para quem realizou um mural na entrada do edifício do Sindicato dos Motoristas (São Paulo, 1973), baseado na obra “Caminho sem Fim” (1959), presente nesta exposição.
O comércio de arte
Embora continuasse a se dedicar intensamente à produção de artes plásticas, gráficas e aplicadas, no final dos anos 60 Maluf arrumou outro interesse: o comércio de arte. Em 1968, foi convidado pelo galerista Pedro Manuel Gismondi a assumir a direção-artística da Galeria Seta. Também em 1968, realizou a única exposição comercial de sua vida, na Galeria Cosme Velho, onde apresentou pinturas sobre tecidos de lã. Esses dois eventos ligados às duas galerias mais importantes em São Paulo nos anos 60 e 70, transformaram radicalmente a vida de Maluf.
“O Cesar Luis Pires de Mello organizou uma mostra de trabalhos meus na Galeria Cosme Velho. Eu nem fui ao vernissage, pois estava trabalhando na Seta, que já estava à venda em 1968. Na saída da galeria, por volta de meia-noite, passei na frente da Cosme Velho e encontrei o Flávio de Almeida Prado na porta, que me disse que tinham vendido todos os meus trabalhos. Com aquele dinheiro acabei comprando a Seta. Aprendi logo que era mais fácil vender as obras dos outros que as minhas”, disse Maluf, que manteve a galeria aberta ao público até 1986, quando a transformou em escritório de arte.
A opção de Maluf por não expor e comercializar suas próprias obras tem explicações. Uma delas é que, apesar de ter mantido uma galeria aberta por cerca de 20 anos e ter pintado até os últimos dias de sua vida, Maluf sabia que misturar a sua produção com o trabalho de galerista poderia produzir um conflito ético e prejudicar as duas atividades: a comercial e a artística.
Outra explicação é sua multiplicidade de interesses (publicidade, design gráfico, moda, arquitetura, curadoria, comércio de arte), que o impedia de se dedicar exclusivamente à promoção de sua carreira artística.
E por fim sua singular trajetória no circuito de arte. Apesar de adotar o concretismo, a moda nos anos 50, e de ser amigo dos mais importantes artistas da época, Maluf nunca se ligou a grupos, como o Ateliê Abstração (de Samson Flexor) ou o Grupo Ruptura (de Waldemar Cordeiro). Maluf sempre optou pela independência absoluta, algo que fez com que sua produção artística não recebesse a devida atenção no conjunto do movimento concreto brasileiro, sobretudo paulista.
O artista concreto
Informado e culto, Maluf se dedicou à arte concreta antes mesmo de ela se estabelecer no Brasil. No final dos anos 40, quando ainda assinava Toni, alguns de seus trabalhos figurativos já trazem padrões abstrato-geométricos no fundo. Era um prenúncio do que viria a ser toda a produção artística a partir de 1951, quando entrou em contato com a produção de Max Bill na individual do artista suíço no MASP. “Influenciou-me e deu confiança de rumo”, disse em depoimento ao crítico de arte e historiador Walter Zanini em 1980.
Dali em diante, toda a sua produção se pautou no detalhamento minucioso, na geometria, em cálculos precisos, em ângulos e medidas exatas, na absoluta economia de meios, no rigor de esquemas matemáticos, na racionalização e na quantificação dos dados disponíveis, em método e organização.
Em seus trabalhos mais conhecidos, as “Progressões Crescentes e Decrescentes”, produzidos do início dos anos 50 até os últimos anos de sua vida, Antônio Maluf parte da repetição de uma mesma estrutura geométrica para criar um ritmo que se amplia e se perpetua ad infinitum, mas sem monotonia, pois se utiliza da combinação de cores com tonalidades puras e contrastantes.
Erudito, o artista se fundamenta na teoria alemã da Gestalt (em evidência entre os concretistas graças a Mário Pedrosa), que afirma que o cérebro humano, durante a percepção da imagem, produz uma interação entre todos os elementos disponíveis (continuidade, semelhança, unidade, simplicidade, distância, fundo, figura etc) para criar a visão do todo. E para Maluf, o todo era a reunião de uma infinidade de detalhes.
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31/12/2009 - Tese de Mestrado - USP
Antonio Maluf: arte concreta na arquitetura moderna paulista (1960/70)
Por Stella Elia
Antonio Maluf: arte concreta na arquitetura moderna paulista (1960/70)
Por Stella Elia
Essa dissertação de mestrado aborda a obra do artista plástico e designer Antonio Maluf e suas participações em projetos arquitetônicos. Adepto da arte concreta e a partir de seus conceitos e princípios; Maluf projetou murais; painéis; revestimentos; caracterização e beneficiamento de fachadas em parceria com arquitetos paulistas nas décadas de 1960/70; como Fábio Penteado; Lauro Costa Lima e Vilanova Artigas. A partir da referência das vanguardas artísticas construtivas; apresenta o conceito da arte concreta desde a criação do termo por Theo Van Doesburg em 1930; os desdobramentos elaborados por Max Bill a partir de 1936; a penetração da arte concreta no Brasil na década de 1950 e o conceito elaborado por Antonio Maluf através de alguns de seus trabalhos que se destacaram no período. A pesquisa identifica uma relação entre os objetivos da arte concreta e o desenho industrial; ambos com o ideal de criar uma linguagem moderna; com a qual a arte atingiria todos os campos da vida cotidiana através das formas puras e reproduzíveis pelos meios de produção industrial. Investiga essa preocupação na produção do artista estudado; tendo em vista que; a partir dos conceitos da arte concreta; Maluf desenvolveu trabalhos como designer em diferentes áreas e colaborou com a arquitetura. Estuda as relações entre a arte concreta e o ideal de síntese das artes da arquitetura moderna; na medida em que de diferentes maneiras os artistas concretos também caminharam na busca de uma aproximação e relação entre as artes.
Diante da existência de recursos visuais não suportados por esta página de nosso site, disponibilizamos a íntegra da tese de mestrado apresentada por Stella Elia através do link
http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=161139
Recomendamos que o link acima seja copiado e colado em seu navegador.
Att. Antonio Maluf o Projeto
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Att. Antonio Maluf o Projeto
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16/05/2007 - Tese de Mestrado - USP
A arte concreta de Antonio Maluf e sua relação com o design: análise dinâmica da linguagem visual de vinte obras
Por Heloisa Marmo
A arte concreta de Antonio Maluf e sua relação com o design: análise dinâmica da linguagem visual de vinte obras
Por Heloisa Marmo
O objetivo deste trabalho é a leitura, interpretação e reconstrução de vinte obras do artista concreto e designer Antonio Maluf, em técnica dinâmica elaborada com aplicativo de animação digital, tendo em vista a análise da linguagem visual dessas obras por meio eletrônico.
Diante da existência de recursos visuais não suportados por esta página de nosso site, disponibilizamos a íntegra da tese de mestrado apresentada por Heloisa Marmo através do link
http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/16/16134/tde-14102009-205247/pt-br.php
Att. Antonio Maluf o Projeto
Diante da existência de recursos visuais não suportados por esta página de nosso site, disponibilizamos a íntegra da tese de mestrado apresentada por Heloisa Marmo através do link
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Att. Antonio Maluf o Projeto
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20/06/2002 - Texto Crítico da Exposição - Maria Antonia
antônio maluf: da matemática à poesia
Por Regina Teixeira de Barros
antônio maluf: da matemática à poesia
Por Regina Teixeira de Barros
No final da década de 40, sobretudo nos três últimos anos, São Paulo assistiu a grandes transformações na arte que se exibia na cidade. Além dos modernistas já consagrados e aqueles que optaram por segui-los — que acabaram por estabelecer uma certa acomodação das linguagens modernistas —, São Paulo se deparou com exposições de artistas que adotavam uma linguagem abstrata como meio de expressão. Em 1947 a exposição 19 pintores, realizada na Galeria Prestes Maia, anuncia os debates sobre as tendências abstracionistas que se acirram no ano seguinte. Em 1948 o crítico argentino Jorge Romero Brest realiza uma série de conferências na cidade, em torno das questões abstratas que já ganhavam adeptos em seu país. No segundo semestre do mesmo ano, o crítico belga Léon Degand assume o posto de diretor do recém-fundado Museu de Arte Moderna de São Paulo, e é convidado a proferir três palestras sobre arte, enfocando principalmente o tema da exposição inaugural do museu, que, apesar de se intitular Do figurativismo ao abstracionismo, apresentava apenas obras abstratas.
A partir de 1948 vários artistas aderem à abstração, tanto em São Paulo, quanto em outras metrópoles brasileiras, entre os quais Waldemar Cordeiro, Luiz Sacilotto, Almir Mavignier, Ivan Serpa, Abraham Palatnik, Lothar Charoux, Mary Vieira e Franz Weissmann, sem mencionar Cícero Dias, que vinha se interessando pela abstração desde 1946.
Foi nesse contexto que o paulistano Antônio Maluf iniciou sua produção como artista plástico. No final dos anos 40, se interessou pelas artes plásticas e abandonou a faculdade de Engenharia Civil. Passou a freqüentar alguns cursos, como o de Nelson Nóbrega, Flávio Motta e Poty Lazarotto na Escola Livre de Artes Plásticas e os ateliês de pintura de Waldemar da Costa e Samson Flexor. Estudou ainda gravura em metal e pedra com Aldemir Martins e Darel Valença Lins, no Museu de Arte de São Paulo.
Nesses primeiros anos de formação, Antônio Maluf produziu gravuras, desenhos e pinturas a óleo com motivos figurativos, onde a abstração era apenas anunciada no fundo do trabalho. Em Carnaval, desenho a nanquim datado de 1949-50, assinando ‘Toni’, Maluf cria uma composição figurativa, onde — salvo as figuras propriamente ditas — tudo é geometrizado ou estampado com motivos que se repetem. Em primeiro plano, uma mesa que poderia ser de xadrez, não fosse pelas dimensões incompatíveis com o jogo. Cada uma das figuras usa um tipo de chapéu, da cartola à boina, todos eles preenchidos com padronagens diferentes entre si; as vestimentas também não fogem à diversificação das estampas, muitas vezes com formas geometrizadas. Embora figurativo, esse desenho prenuncia, de certo modo, o que viria a ser toda a produção artística que Maluf desenvolveria nas décadas seguintes: a minúcia na construção do trabalho, as padronagens e sobretudo a geometria, que, a partir de 1951, seria sua principal fonte de inspiração.
Em 1950 o artista e arquiteto suíço Max Bill expõe no Museu de Arte de São Paulo. Max Bill havia sido aluno de Gropius na Bauhaus, que, por sua vez, era herdeira de muitas propostas que fundamentavam o construtivismo russo. O projeto russo — assim como a Bauhaus — entendia a arte abstrata como uma arte universalmente compreensível, visto que embasada em leis da matemática, ciência exata na qual não há espaço para interpretações pessoais. Assumindo o postulado de que a arte abstrata, de cunho geométrico, era acessível a todos, tanto os professores da Bauhaus quanto os construtivistas russos pregavam que a arte fosse inserida na sociedade e que cumprisse necessariamente uma função de transformação social.
Além de trazer essas informações à tona, Max Bill foi responsável, no pós-guerra, pela retomada do conceito de arte concreta. O termo ‘arte concreta’ havia sido cunhado por Theo van Doesburg, em 1930, e retomado por Kandinsky em 1938 para se referir à arte abstrata.
A exposição de Max Bill trouxe a São Paulo todas essas contribuições e acabou se tornando um marco para os futuros concretistas locais. Para Maluf, a retrospectiva do artista suíço foi assimilada, paradoxalmente, como exemplo de disciplina aliada à liberdade de criação.
No início de 1951 o mesmo Museu de Arte de São Paulo inaugurou o Instituto de Arte Contemporânea, oferecendo o primeiro curso de desenho industrial da América Latina, pautado nos ensinamentos da New Bauhaus de Chicago. Maluf candidatou-se a uma das trinta vagas. Aceito, freqüentou as aulas por alguns meses e, embora curta, a experiência no IAC foi decisiva para sua obra, recebendo orientação dos professores Pietro Maria Bardi e Flávio Motta, que lecionavam História da Arte; Jacob Ruchti e Salvador Candi, que ensinavam Elementos de Linguagem e Composição; Lina Bo Bardi, encarregada de Elementos de Arquitetura; Roberto Sambonet, responsável pelo curso de Desenho a Mão Livre; e o arquiteto húngaro Zoltan Hegedus, que lecionava Materiais, cuja influência foi determinante para Maluf. Em suas aulas, Hegedus chamava a atenção para as propriedades físicas dos materiais vegetais e minerais, demonstrando a maneira pela qual estes revelavam as próprias qualidades.
Os acontecimentos ocorridos na cidade entre 1950 e 1951 provocaram uma mudança significativa na produção de Antônio Maluf. Em março de 1951, Maluf elabora um de seus primeiros trabalhos concretos, que menos de seis meses mais tarde adaptaria para participar do concurso de cartazes da I Bienal do Museu de Arte Moderna de São Paulo. Os elementos estruturais desse desenho e sua versão posterior para o cartaz da I Bienal reiteram e enfatizam o formato retangular do suporte. À medida que são reduzidos, os retângulos se adensam em direção ao centro do papel, projetando uma perspectiva tanto espacial quanto temporal.
Maluf vence o concurso, e o cartaz é veiculado em três versões diferentes: com fundo vermelho, preto e branco. Uma quarta versão, com fundo azul, não é impressa. Esse trabalho torna-se, para muitos, o marco zero do design gráfico moderno no Brasil.
Apesar de adotar uma linguagem construtiva compartilhada por vários artistas a partir de 1950, Antônio Maluf não se vinculou a nenhum grupo. Freqüentou o ateliê de Samson Flexor no final da década de 40, mas nunca expôs com o Ateliê Abstração, que passou a existir formalmente em 1951.
Embora convivesse com alguns membros e houvesse pontos teóricos em comum, Maluf também não fez parte do Grupo Ruptura, formado por Waldemar Cordeiro, Geraldo de Barros, Luiz Sacilotto, Lothar Charoux, Anatol Wladislaw, Leopold Haar e Kazmer Féjer, cujo manifesto foi lançado numa exposição realizada em dezembro de 1952 no Museu de Arte Moderna de São Paulo.
A convite de Mário Pedrosa, Maluf enviou obras para a I Exposição Nacional de Arte Abstrata, realizada em fevereiro de 1953, no Hotel Quitandinha, em Petrópolis, Rio de Janeiro. Com exceção dessa exposição, na qual aparece ao lado de artistas de tendência construtiva residentes no Rio de Janeiro, Maluf manteve-se afastado dos grupos que se formaram em torno da abstração geométrica. Acreditava que o rigor adotado pelos concretistas paulistas, ainda que acusados de inflexíveis pelos cariocas, era, na verdade, bastante permissivo.
No entanto, apesar de sua opção pela independência, no decorrer dos anos sua obra vem sendo examinada em conjunto com a produção das tendências construtivas dos anos 50, sobretudo com o concretismo paulista, o que fez com que a singularidade de seu trabalho tenha sido pouco destacada dentro do movimento concreto como um todo.
O princípio que norteia toda a produção de Antônio Maluf, desde o desenho que deu origem ao cartaz da I Bienal até a atualidade, é o conceito de equação dos desenvolvimentos. Entende-se por equação uma relação de igualdade que ocorre entre os elementos de linguagem e o suporte sobre o qual esses elementos são aplicados. Essa relação adquire o status de informação artística apenas quando a linguagem não tem outro ponto de referência a não ser o próprio suporte, e vice-versa. Isto é, os elementos de linguagem e o suporte deixam de significar isoladamente para criar uma relação de cumplicidade absoluta. Essa identificação entre as duas categorias distintas se transforma em informação artística concreta.
Tomemos um exemplo ilustrativo dessa proposição. No projeto de mural elaborado em 1964 a pedido do arquiteto Lauro Costa Lima para o conjunto de edifícios que compõem a Vila Normanda, no centro de São Paulo, Maluf parte de duas escolhas iniciais para chegar a uma relação de igualdade: de um lado, o suporte sobre o qual realizará o mural e, do outro, o elemento de linguagem correspondente. A proporção dos azulejos que servirão como suporte é a mesma dos retângulos que se constituirão como elemento de linguagem sobre o qual o artista se deterá.
Uma vez definido o retângulo como elemento estrutural primário, Maluf o divide com duas diagonais. O resultado desses cortes são quatro figuras distintas que, combinadas entre si, permitem doze variações possíveis. Com essas doze unidades ele cria agrupamentos infinitos, que compõe de acordo com princípios de equilíbrio e contrastes de cor, formando ritmos rigorosamente planejados. Em outras palavras, as estruturas finitas de linguagem concreta se desdobram em estruturas poéticas infinitas.
Essa é a proposição da equação dos desenvolvimentos. Partindo-se de um princípio simples, seus desdobramentos tornam-se altamente complexos. A fim de preservar esse rigor, Maluf elabora esquemas de assentamento, azulejo por azulejo, para que o projeto seja executado conforme concebido.
O mural encomendado, em 1962, pelo arquiteto Fábio Penteado para uma agência bancária também teve origem no estudo sobre as figuras resultantes das diagonais do retângulo. Na versão realizada para Penteado o artista optou por trabalhar com azul e branco; no mural de Vila Normanda incluiu uma terceira cor: o cinza, que permitiu maior variação de composições.
Maluf se orientou pelos postulados da equação dos desenvolvimentos em toda sua produção gráfica, pictórica e nas artes aplicadas. Os seus trabalhos são desdobramentos dessa premissa, constituindo, para ele, a base da arte concreta. Os estudos, realizados sobretudo na década de 50, partem invariavelmente das figuras geométricas sobre o plano do papel. Nas séries denominadas Progressões crescentes e decrescentes — que existem em versões circulares, triangulares, retangulares ou até mesmo com formas geométricas combinadas — Maluf cria, por meio da repetição de uma mesma estrutura, um ritmo que se amplifica ad infinitum, gerando, a partir da geometria, uma poética própria.
Na série Crônica do quadrado, Maluf explora os desdobramentos possíveis de um quadrado dividido por quatro linhas: duas ortogonais que cortam a figura ao meio, nos eixos vertical e horizontal, e duas diagonais. Dos oito triângulos que se formam, cada par recebe uma cor, a fim de facilitar a visualização das dezenas de desdobramentos que as articulações dos vértices dos triângulos permitem.
Os estudos dedicados ao círculo deram origem ao mural do Edifício Cambuí, projetado por Lauro Costa Lima, em 1963. Situado à rua Maranhão, em Higienópolis, o edifício abrigava apartamentos de vários cafeicultores. Maluf associou o grão de café ao círculo e produziu um painel com as cores da bandeira nacional, identificando-as com o produto brasileiro mais famoso no mercado internacional. Os estudos com o círculo também serviram de mote para uma série de estampas, comercializadas pela Tricot-lã nos anos 60, e utilizadas pela Rhodia em um de seus desfiles no final da mesma década.
Seu vínculo com a indústria têxtil, porém, é muito anterior a essa época, pois sua família era proprietária da Estamparia Beneficiadora de Tecido Victoria, para a qual Maluf criava regularmente padrões para estamparia. No início dos anos 50, desenvolveu estampas que se adequavam ao processo industrial de produção. Entretanto, no final da década, além da produção voltada para a indústria — e portanto para um amplo mercado de consumo — Maluf passou a imprimir estampas manualmente, sobre tecidos nobres como o veludo e a seda, transformando-os em artigo altamente diferenciado dentro do mercado têxtil.
Além do trabalho realizado para esse setor específico, Maluf foi responsável pela criação de inúmeros cartazes, logomarcas, murais decorativos, projetos de outdoors, anúncios classificados e encadernações pessoais. O peso de sua contribuição, como designer, para a história da comunicação visual da cidade de São Paulo é devidamente reconhecido e enfatizado pela historiografia. No entanto, é preciso sublinhar um aspecto fundamental dessa produção: os trabalhos dirigidos para outros fins que não a arte propriamente dita tiveram como ponto de partida as pesquisas de linguagem concreta desenvolvidas na década de 50.
Nesse sentido, ainda que sua obra não seja voltada para um discurso político, Antônio Maluf é um artista concreto inserido na mesma lógica daquela adotada tanto pelo construtivismo russo quanto pela Bauhaus. Sua produção como designer gráfico contribuiu efetivamente para o desenvolvimento de uma linguagem construtiva, colaborando para a transformação da identidade visual da cidade de São Paulo, ao integrar atividades úteis, relacionadas ao cotidiano da população, à arte.
cronologia
1926-1951
Antônio Maluf nasce em 17 de dezembro de 1926 em São Paulo, filho do empresário Alexandre Maluf e Alice Mussalli Maluf.
Em 1947 ingressa na Faculdade de Engenharia da Universidade do Paraná, em Curitiba. No ano seguinte transfere-se para o curso de Engenharia Civil da Universidade Mackenzie, em São Paulo, no qual não se forma.
A partir de 1948 trabalha nas empresas do pai, principalmente na Estamparia Beneficiadora de Tecido Victoria, criando padrões de estamparia para tecidos.
De 1948 a 1949 estuda pintura no ateliê de Waldemar da Costa e em 1950 passa a freqüentar a Escola Livre de Artes Plásticas, onde tem como professores Flávio Motta, Nelson Nóbrega e Poty Lazarotto. No mesmo ano também estuda pintura com Samson Flexor e faz os cursos de litografia e gravura em metal do Museu de Arte de São Paulo (Masp), com Darel Valença Lins e Aldemir Martins.
Em 1951, aos 24 anos, ingressa no curso de desenho industrial do recém-fundado Instituto de Arte Contemporânea (IAC) do Masp, no qual lecionavam Lina Bo Bardi, Pietro Maria Bardi, Jacob Ruchti, Salvador Candia, Wolfgang Pfeifer, Roberto Sambonet e Zoltan Hegedus, entre outros, sendo que este último foi de importância fundamental para a compreensão de Maluf da arte concreta. Entre seus colegas de IAC encontravam-se futuros expoentes da arte concreta e do design brasileiros, como Alexandre Wollner, Maurício Nogueira Lima, Ludovico Martino, Emilie Chamie e Gustavo Kresbs. O artista permanece no Instituto apenas alguns meses. No mesmo ano inicia a série construtiva-geométrica Equação dos desenvolvimentos, que em si traz a protoforma de arte concreta integrada no cartaz da I Bienal do Museu de Arte Moderna de São Paulo. O concurso de cartazes da I Bienal paulista, vencido por Antônio Maluf, teve como júri Lívio Abramo, Mário Pedrosa e Rino Levi. Além do cartaz, o artista integra a sala brasileira da exposição com uma pintura da série citada (atualmente pertence à Coleção Patricia Cisneros), ao lado de Abraham Palatnik, Aldo Bonadei, Alfredo Volpi, Almir Mavignier, Antônio Bandeira, Carybé, Danilo di Preti, Geraldo de Barros, Iberê Camargo, Ivan Serpa, Lothar Charoux, Roberto Burle Marx, Luis Sacilotto, Tarsila do Amaral, Waldemar Cordeiro, Yolanda Mohalyi e outros.
1952-1959
No início de 1952 suas progressões geométricas são apresentadas no Salão de Maio da Casa do Povo em São Paulo. Em fevereiro de 1953 seguem para o Rio de Janeiro, sendo expostas na I Exposição Nacional de Arte Abstrata, no Hotel Quitandinha, em Petrópolis. A mostra contava com 25 participantes de diversas gerações, entre eles, Abraham Palatnik, Aluísio Carvão, Antônio Bandeira, Anna Bella Geiger, Décio Vieira, Fayga Ostrower, Geraldo de Barros, Ivan Serpa, Lygia Clark e Lygia Pape. Por ocasião da exposição, o crítico Mário Pedrosa — que também integrava o júri — publica o artigo ‘Abstratos em Quitandinha’ (28 fev. 1953), no qual defende a arte abstrata nacional e refere-se a Antônio Maluf como um dos valores mais promissores da nova geração:
‘Um Antônio Maluf, de S. Paulo, com sua modulação de cores em seqüências crescentes e decrescentes, é um artista cuja obra não pode ainda ser aferida por um critério imediatista ou sumário, pois estamos em frente de um homem que ainda pouco disse do muito que tem a dizer. Seus progressos são patentes, e já é um nome que conta na jovem geração de artistas modernos brasileiros.’
Em meados dos anos 50 Maluf realiza mural de pastilhas em progressão na piscina da residência de Joubert Santos, localizada à rua Estados Unidos (mural destruído).
Em 1957 vence o concurso de cartazes da XIX Exposição Agropecuária e Industrial de Juiz de Fora, organizado pela Associação Rural. Compõem o júri Ivan Serpa, José Roberto Teixeira Leite e Ferreira Gullar.
Em 1959 realiza padrões de estamparia para a Coleção Vogue.
1960-1965
Em 1960 Antônio Maluf conhece o arquiteto Fábio Penteado. Entre 1960 e 1961 trabalham juntos no Edifício Brigadeiro, com projeto de Penteado e mural de Maluf, e no auditório do Instituto de Eletrotécnica da USP (mural não executado).
Em 1962 o artista realiza painel para a sede do Banco Noroeste de Guarulhos (obra destruída) e planeja o beneficiamento colorido das fachadas para outros dois projetos do arquiteto, o Bairro do Limão em São Paulo e a Cidade dos Doqueiros em Santos, ambos não realizados. No mesmo ano, cria painel para o escritório de advocacia Alberto Brandão Muylaert no centro de São Paulo, também projetado por Fábio Penteado.
Em 1963, em parceria com o arquiteto Lauro da Costa Lima, executa painel (atualmente destruído) para o Edifício Cambuí em São Paulo. A pedido de Costa Lima, em 1964, realiza a caracterização da fachada dos blocos A e B do Edifício Vila Normanda, no centro da cidade. Esse trabalho é constituído por cerca de mil metros quadrados de lajotas de cerâmica esmaltada nas dimensões de 30 x 15 cm.
A Estamparia Beneficiadora de Tecido Victoria encerra suas atividades em 1964.
Neste ano, torna-se sócio-fundador da Associação Brasileira de Desenho Industrial (ABDI) juntamente com Décio Pignatari, Alexandre Wollner, Lúcio Grinolver e outros. Por cerca de um ano trabalha como diretor de divulgação da associação. Ainda em 1964 participa da série de conferências sobre desenho industrial do Fórum Roberto Simonsen, na Confederação das Indústrias, com a palestra ‘O desenho industrial na indústria brasileira’ (publicada posteriormente na revista Produto e Linguagem). Novamente em parceria com Fábio Penteado, projeta as estruturas modulares do teto da sede do Clube Harmonia em São Paulo (projeto parcialmente implantado).
Em 1965 participa como representante brasileiro da I Bienal de Arte Aplicada, em Punta del Este (Uruguai), e da coletiva Proposta 65, na Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), em São Paulo.
Durante os anos 60 Antônio Maluf realiza trabalhos na área de publicidade, como a criação de logotipos e de anúncios classificados. Entre eles, destacam-se os logotipos para as empresas De Maia 1964, para Província Imobiliária e para a escova de dentes Kiko, e anúncios para a linha de produtos agrícolas Agrafon, Creofon e Coldex.
1967-1969
Participa da IX Bienal de São Paulo em 1967. No ano seguinte, toma parte da I Bienal de Desenho Industrial no Rio de Janeiro.
Entre 1967 e 1968 produz padrões têxteis para a Coleção Rhodia.
Em 1968 realiza exposição individual na Galeria Cosme Velho, em São Paulo, na qual apresenta obras que utilizam tecidos de lã como suporte. Nesse ano assume a direção técnica da Galeria Seta, fundada em 1962 por Pedro Manuel Gismondi.
No ano de 1969 participa da sala geral da representação brasileira da X Bienal de São Paulo.
1970-1977
De 1970 a 1976 trabalha intensamente como marchand no eixo Rio-São Paulo. Organiza importantes exposições, como Surrealismo e arte fantástica, na Galeria Seta 1970, Octávio Araújo — 20 anos depois, no Masp 1972, Gravuras e objetos de Evandro Carlos Jardim, no Masp 1973, Ismael Nery — 1900-1934, no Masp 1974, Gravuras de Evandro Carlos Jardim, na Galeria Seta 1976.
Em nova parceria com o arquiteto Fábio Penteado, realiza em 1971 painel arquitetônico para o saguão de entrada do Tênis Clube de Campinas, São Paulo.
Em 1973 inaugura mural, baseado na obra Caminho sem fim, na entrada do prédio do Sindicato dos Motoristas em São Paulo, projetado pelo arquiteto Vilanova Artigas.
No ano de 1977 projeta painel em forma de progressões crescentes e decrescentes para a agência da Caixa Econômica de Bastos, no interior de São Paulo, construída por Fábio Penteado. No mesmo ano participa da exposição Projeto construtivo brasileiro na arte: 1950-1962, organizada por Aracy Amaral, na Pinacoteca do Estado em São Paulo e no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.
1984-2002
Nos últimos anos, paralelamente à sua atividade como diretor técnico do Escritório de Arte Seta, vem participando de importantes exposições coletivas como: Tradição e ruptura, na Fundação Bienal de São Paulo 1984; Projeto arte brasileira — Abstração geométrica 1 — Concretismo e neoconcretismo, na Funarte, Rio de Janeiro 1987; Construtivismo: arte cartaz, 40, 50, 60, no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC/USP) 1991-1992; Bienal Brasil século XX, na Fundação Bienal de São Paulo 1994; Arte construtiva no Brasil — Coleção Adolpho Leirner, no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM/SP) 1998; Década de 50 e seus envolvimentos, na Jô Slaviero Galeria de Arte em São Paulo 1999; Cotidiano/arte: o consumo — Metamorfose do consumo, no Itaú Cultural, em São Paulo 1999-2000; O Bardi dos artistas, na Galeria Marta Traba/Memorial da América Latina 2000; Brasil 1920-1950. De la antropofagia a Brasília, no Institut Valencià d’Art Modern (Ivam), em Valência, Espanha 2000-2001; Paralelos: arte brasileira da segunda metade do século XX em contexto — Coleção Cisneros, no MAM/SP 2002.
Trabalhos de Antônio Maluf estão presentes em importantes coleções de arte e acervos de museus, como as coleções Adolpho Leirner, Fábio Penteado, Reinaldo Abouchan e Paulo Vasconcelos e os acervos do Masp e da Pinacoteca do Estado, em São Paulo; na Coleção João Sattamini, atualmente no Museu de Arte Contemporânea de Niterói; e na Coleção Patrícia Cisneros, em Caracas (Venezuela).
* * *
A partir de 1948 vários artistas aderem à abstração, tanto em São Paulo, quanto em outras metrópoles brasileiras, entre os quais Waldemar Cordeiro, Luiz Sacilotto, Almir Mavignier, Ivan Serpa, Abraham Palatnik, Lothar Charoux, Mary Vieira e Franz Weissmann, sem mencionar Cícero Dias, que vinha se interessando pela abstração desde 1946.
Foi nesse contexto que o paulistano Antônio Maluf iniciou sua produção como artista plástico. No final dos anos 40, se interessou pelas artes plásticas e abandonou a faculdade de Engenharia Civil. Passou a freqüentar alguns cursos, como o de Nelson Nóbrega, Flávio Motta e Poty Lazarotto na Escola Livre de Artes Plásticas e os ateliês de pintura de Waldemar da Costa e Samson Flexor. Estudou ainda gravura em metal e pedra com Aldemir Martins e Darel Valença Lins, no Museu de Arte de São Paulo.
Nesses primeiros anos de formação, Antônio Maluf produziu gravuras, desenhos e pinturas a óleo com motivos figurativos, onde a abstração era apenas anunciada no fundo do trabalho. Em Carnaval, desenho a nanquim datado de 1949-50, assinando ‘Toni’, Maluf cria uma composição figurativa, onde — salvo as figuras propriamente ditas — tudo é geometrizado ou estampado com motivos que se repetem. Em primeiro plano, uma mesa que poderia ser de xadrez, não fosse pelas dimensões incompatíveis com o jogo. Cada uma das figuras usa um tipo de chapéu, da cartola à boina, todos eles preenchidos com padronagens diferentes entre si; as vestimentas também não fogem à diversificação das estampas, muitas vezes com formas geometrizadas. Embora figurativo, esse desenho prenuncia, de certo modo, o que viria a ser toda a produção artística que Maluf desenvolveria nas décadas seguintes: a minúcia na construção do trabalho, as padronagens e sobretudo a geometria, que, a partir de 1951, seria sua principal fonte de inspiração.
Em 1950 o artista e arquiteto suíço Max Bill expõe no Museu de Arte de São Paulo. Max Bill havia sido aluno de Gropius na Bauhaus, que, por sua vez, era herdeira de muitas propostas que fundamentavam o construtivismo russo. O projeto russo — assim como a Bauhaus — entendia a arte abstrata como uma arte universalmente compreensível, visto que embasada em leis da matemática, ciência exata na qual não há espaço para interpretações pessoais. Assumindo o postulado de que a arte abstrata, de cunho geométrico, era acessível a todos, tanto os professores da Bauhaus quanto os construtivistas russos pregavam que a arte fosse inserida na sociedade e que cumprisse necessariamente uma função de transformação social.
Além de trazer essas informações à tona, Max Bill foi responsável, no pós-guerra, pela retomada do conceito de arte concreta. O termo ‘arte concreta’ havia sido cunhado por Theo van Doesburg, em 1930, e retomado por Kandinsky em 1938 para se referir à arte abstrata.
A exposição de Max Bill trouxe a São Paulo todas essas contribuições e acabou se tornando um marco para os futuros concretistas locais. Para Maluf, a retrospectiva do artista suíço foi assimilada, paradoxalmente, como exemplo de disciplina aliada à liberdade de criação.
No início de 1951 o mesmo Museu de Arte de São Paulo inaugurou o Instituto de Arte Contemporânea, oferecendo o primeiro curso de desenho industrial da América Latina, pautado nos ensinamentos da New Bauhaus de Chicago. Maluf candidatou-se a uma das trinta vagas. Aceito, freqüentou as aulas por alguns meses e, embora curta, a experiência no IAC foi decisiva para sua obra, recebendo orientação dos professores Pietro Maria Bardi e Flávio Motta, que lecionavam História da Arte; Jacob Ruchti e Salvador Candi, que ensinavam Elementos de Linguagem e Composição; Lina Bo Bardi, encarregada de Elementos de Arquitetura; Roberto Sambonet, responsável pelo curso de Desenho a Mão Livre; e o arquiteto húngaro Zoltan Hegedus, que lecionava Materiais, cuja influência foi determinante para Maluf. Em suas aulas, Hegedus chamava a atenção para as propriedades físicas dos materiais vegetais e minerais, demonstrando a maneira pela qual estes revelavam as próprias qualidades.
Os acontecimentos ocorridos na cidade entre 1950 e 1951 provocaram uma mudança significativa na produção de Antônio Maluf. Em março de 1951, Maluf elabora um de seus primeiros trabalhos concretos, que menos de seis meses mais tarde adaptaria para participar do concurso de cartazes da I Bienal do Museu de Arte Moderna de São Paulo. Os elementos estruturais desse desenho e sua versão posterior para o cartaz da I Bienal reiteram e enfatizam o formato retangular do suporte. À medida que são reduzidos, os retângulos se adensam em direção ao centro do papel, projetando uma perspectiva tanto espacial quanto temporal.
Maluf vence o concurso, e o cartaz é veiculado em três versões diferentes: com fundo vermelho, preto e branco. Uma quarta versão, com fundo azul, não é impressa. Esse trabalho torna-se, para muitos, o marco zero do design gráfico moderno no Brasil.
Apesar de adotar uma linguagem construtiva compartilhada por vários artistas a partir de 1950, Antônio Maluf não se vinculou a nenhum grupo. Freqüentou o ateliê de Samson Flexor no final da década de 40, mas nunca expôs com o Ateliê Abstração, que passou a existir formalmente em 1951.
Embora convivesse com alguns membros e houvesse pontos teóricos em comum, Maluf também não fez parte do Grupo Ruptura, formado por Waldemar Cordeiro, Geraldo de Barros, Luiz Sacilotto, Lothar Charoux, Anatol Wladislaw, Leopold Haar e Kazmer Féjer, cujo manifesto foi lançado numa exposição realizada em dezembro de 1952 no Museu de Arte Moderna de São Paulo.
A convite de Mário Pedrosa, Maluf enviou obras para a I Exposição Nacional de Arte Abstrata, realizada em fevereiro de 1953, no Hotel Quitandinha, em Petrópolis, Rio de Janeiro. Com exceção dessa exposição, na qual aparece ao lado de artistas de tendência construtiva residentes no Rio de Janeiro, Maluf manteve-se afastado dos grupos que se formaram em torno da abstração geométrica. Acreditava que o rigor adotado pelos concretistas paulistas, ainda que acusados de inflexíveis pelos cariocas, era, na verdade, bastante permissivo.
No entanto, apesar de sua opção pela independência, no decorrer dos anos sua obra vem sendo examinada em conjunto com a produção das tendências construtivas dos anos 50, sobretudo com o concretismo paulista, o que fez com que a singularidade de seu trabalho tenha sido pouco destacada dentro do movimento concreto como um todo.
O princípio que norteia toda a produção de Antônio Maluf, desde o desenho que deu origem ao cartaz da I Bienal até a atualidade, é o conceito de equação dos desenvolvimentos. Entende-se por equação uma relação de igualdade que ocorre entre os elementos de linguagem e o suporte sobre o qual esses elementos são aplicados. Essa relação adquire o status de informação artística apenas quando a linguagem não tem outro ponto de referência a não ser o próprio suporte, e vice-versa. Isto é, os elementos de linguagem e o suporte deixam de significar isoladamente para criar uma relação de cumplicidade absoluta. Essa identificação entre as duas categorias distintas se transforma em informação artística concreta.
Tomemos um exemplo ilustrativo dessa proposição. No projeto de mural elaborado em 1964 a pedido do arquiteto Lauro Costa Lima para o conjunto de edifícios que compõem a Vila Normanda, no centro de São Paulo, Maluf parte de duas escolhas iniciais para chegar a uma relação de igualdade: de um lado, o suporte sobre o qual realizará o mural e, do outro, o elemento de linguagem correspondente. A proporção dos azulejos que servirão como suporte é a mesma dos retângulos que se constituirão como elemento de linguagem sobre o qual o artista se deterá.
Uma vez definido o retângulo como elemento estrutural primário, Maluf o divide com duas diagonais. O resultado desses cortes são quatro figuras distintas que, combinadas entre si, permitem doze variações possíveis. Com essas doze unidades ele cria agrupamentos infinitos, que compõe de acordo com princípios de equilíbrio e contrastes de cor, formando ritmos rigorosamente planejados. Em outras palavras, as estruturas finitas de linguagem concreta se desdobram em estruturas poéticas infinitas.
Essa é a proposição da equação dos desenvolvimentos. Partindo-se de um princípio simples, seus desdobramentos tornam-se altamente complexos. A fim de preservar esse rigor, Maluf elabora esquemas de assentamento, azulejo por azulejo, para que o projeto seja executado conforme concebido.
O mural encomendado, em 1962, pelo arquiteto Fábio Penteado para uma agência bancária também teve origem no estudo sobre as figuras resultantes das diagonais do retângulo. Na versão realizada para Penteado o artista optou por trabalhar com azul e branco; no mural de Vila Normanda incluiu uma terceira cor: o cinza, que permitiu maior variação de composições.
Maluf se orientou pelos postulados da equação dos desenvolvimentos em toda sua produção gráfica, pictórica e nas artes aplicadas. Os seus trabalhos são desdobramentos dessa premissa, constituindo, para ele, a base da arte concreta. Os estudos, realizados sobretudo na década de 50, partem invariavelmente das figuras geométricas sobre o plano do papel. Nas séries denominadas Progressões crescentes e decrescentes — que existem em versões circulares, triangulares, retangulares ou até mesmo com formas geométricas combinadas — Maluf cria, por meio da repetição de uma mesma estrutura, um ritmo que se amplifica ad infinitum, gerando, a partir da geometria, uma poética própria.
Na série Crônica do quadrado, Maluf explora os desdobramentos possíveis de um quadrado dividido por quatro linhas: duas ortogonais que cortam a figura ao meio, nos eixos vertical e horizontal, e duas diagonais. Dos oito triângulos que se formam, cada par recebe uma cor, a fim de facilitar a visualização das dezenas de desdobramentos que as articulações dos vértices dos triângulos permitem.
Os estudos dedicados ao círculo deram origem ao mural do Edifício Cambuí, projetado por Lauro Costa Lima, em 1963. Situado à rua Maranhão, em Higienópolis, o edifício abrigava apartamentos de vários cafeicultores. Maluf associou o grão de café ao círculo e produziu um painel com as cores da bandeira nacional, identificando-as com o produto brasileiro mais famoso no mercado internacional. Os estudos com o círculo também serviram de mote para uma série de estampas, comercializadas pela Tricot-lã nos anos 60, e utilizadas pela Rhodia em um de seus desfiles no final da mesma década.
Seu vínculo com a indústria têxtil, porém, é muito anterior a essa época, pois sua família era proprietária da Estamparia Beneficiadora de Tecido Victoria, para a qual Maluf criava regularmente padrões para estamparia. No início dos anos 50, desenvolveu estampas que se adequavam ao processo industrial de produção. Entretanto, no final da década, além da produção voltada para a indústria — e portanto para um amplo mercado de consumo — Maluf passou a imprimir estampas manualmente, sobre tecidos nobres como o veludo e a seda, transformando-os em artigo altamente diferenciado dentro do mercado têxtil.
Além do trabalho realizado para esse setor específico, Maluf foi responsável pela criação de inúmeros cartazes, logomarcas, murais decorativos, projetos de outdoors, anúncios classificados e encadernações pessoais. O peso de sua contribuição, como designer, para a história da comunicação visual da cidade de São Paulo é devidamente reconhecido e enfatizado pela historiografia. No entanto, é preciso sublinhar um aspecto fundamental dessa produção: os trabalhos dirigidos para outros fins que não a arte propriamente dita tiveram como ponto de partida as pesquisas de linguagem concreta desenvolvidas na década de 50.
Nesse sentido, ainda que sua obra não seja voltada para um discurso político, Antônio Maluf é um artista concreto inserido na mesma lógica daquela adotada tanto pelo construtivismo russo quanto pela Bauhaus. Sua produção como designer gráfico contribuiu efetivamente para o desenvolvimento de uma linguagem construtiva, colaborando para a transformação da identidade visual da cidade de São Paulo, ao integrar atividades úteis, relacionadas ao cotidiano da população, à arte.
cronologia
1926-1951
Antônio Maluf nasce em 17 de dezembro de 1926 em São Paulo, filho do empresário Alexandre Maluf e Alice Mussalli Maluf.
Em 1947 ingressa na Faculdade de Engenharia da Universidade do Paraná, em Curitiba. No ano seguinte transfere-se para o curso de Engenharia Civil da Universidade Mackenzie, em São Paulo, no qual não se forma.
A partir de 1948 trabalha nas empresas do pai, principalmente na Estamparia Beneficiadora de Tecido Victoria, criando padrões de estamparia para tecidos.
De 1948 a 1949 estuda pintura no ateliê de Waldemar da Costa e em 1950 passa a freqüentar a Escola Livre de Artes Plásticas, onde tem como professores Flávio Motta, Nelson Nóbrega e Poty Lazarotto. No mesmo ano também estuda pintura com Samson Flexor e faz os cursos de litografia e gravura em metal do Museu de Arte de São Paulo (Masp), com Darel Valença Lins e Aldemir Martins.
Em 1951, aos 24 anos, ingressa no curso de desenho industrial do recém-fundado Instituto de Arte Contemporânea (IAC) do Masp, no qual lecionavam Lina Bo Bardi, Pietro Maria Bardi, Jacob Ruchti, Salvador Candia, Wolfgang Pfeifer, Roberto Sambonet e Zoltan Hegedus, entre outros, sendo que este último foi de importância fundamental para a compreensão de Maluf da arte concreta. Entre seus colegas de IAC encontravam-se futuros expoentes da arte concreta e do design brasileiros, como Alexandre Wollner, Maurício Nogueira Lima, Ludovico Martino, Emilie Chamie e Gustavo Kresbs. O artista permanece no Instituto apenas alguns meses. No mesmo ano inicia a série construtiva-geométrica Equação dos desenvolvimentos, que em si traz a protoforma de arte concreta integrada no cartaz da I Bienal do Museu de Arte Moderna de São Paulo. O concurso de cartazes da I Bienal paulista, vencido por Antônio Maluf, teve como júri Lívio Abramo, Mário Pedrosa e Rino Levi. Além do cartaz, o artista integra a sala brasileira da exposição com uma pintura da série citada (atualmente pertence à Coleção Patricia Cisneros), ao lado de Abraham Palatnik, Aldo Bonadei, Alfredo Volpi, Almir Mavignier, Antônio Bandeira, Carybé, Danilo di Preti, Geraldo de Barros, Iberê Camargo, Ivan Serpa, Lothar Charoux, Roberto Burle Marx, Luis Sacilotto, Tarsila do Amaral, Waldemar Cordeiro, Yolanda Mohalyi e outros.
1952-1959
No início de 1952 suas progressões geométricas são apresentadas no Salão de Maio da Casa do Povo em São Paulo. Em fevereiro de 1953 seguem para o Rio de Janeiro, sendo expostas na I Exposição Nacional de Arte Abstrata, no Hotel Quitandinha, em Petrópolis. A mostra contava com 25 participantes de diversas gerações, entre eles, Abraham Palatnik, Aluísio Carvão, Antônio Bandeira, Anna Bella Geiger, Décio Vieira, Fayga Ostrower, Geraldo de Barros, Ivan Serpa, Lygia Clark e Lygia Pape. Por ocasião da exposição, o crítico Mário Pedrosa — que também integrava o júri — publica o artigo ‘Abstratos em Quitandinha’ (28 fev. 1953), no qual defende a arte abstrata nacional e refere-se a Antônio Maluf como um dos valores mais promissores da nova geração:
‘Um Antônio Maluf, de S. Paulo, com sua modulação de cores em seqüências crescentes e decrescentes, é um artista cuja obra não pode ainda ser aferida por um critério imediatista ou sumário, pois estamos em frente de um homem que ainda pouco disse do muito que tem a dizer. Seus progressos são patentes, e já é um nome que conta na jovem geração de artistas modernos brasileiros.’
Em meados dos anos 50 Maluf realiza mural de pastilhas em progressão na piscina da residência de Joubert Santos, localizada à rua Estados Unidos (mural destruído).
Em 1957 vence o concurso de cartazes da XIX Exposição Agropecuária e Industrial de Juiz de Fora, organizado pela Associação Rural. Compõem o júri Ivan Serpa, José Roberto Teixeira Leite e Ferreira Gullar.
Em 1959 realiza padrões de estamparia para a Coleção Vogue.
1960-1965
Em 1960 Antônio Maluf conhece o arquiteto Fábio Penteado. Entre 1960 e 1961 trabalham juntos no Edifício Brigadeiro, com projeto de Penteado e mural de Maluf, e no auditório do Instituto de Eletrotécnica da USP (mural não executado).
Em 1962 o artista realiza painel para a sede do Banco Noroeste de Guarulhos (obra destruída) e planeja o beneficiamento colorido das fachadas para outros dois projetos do arquiteto, o Bairro do Limão em São Paulo e a Cidade dos Doqueiros em Santos, ambos não realizados. No mesmo ano, cria painel para o escritório de advocacia Alberto Brandão Muylaert no centro de São Paulo, também projetado por Fábio Penteado.
Em 1963, em parceria com o arquiteto Lauro da Costa Lima, executa painel (atualmente destruído) para o Edifício Cambuí em São Paulo. A pedido de Costa Lima, em 1964, realiza a caracterização da fachada dos blocos A e B do Edifício Vila Normanda, no centro da cidade. Esse trabalho é constituído por cerca de mil metros quadrados de lajotas de cerâmica esmaltada nas dimensões de 30 x 15 cm.
A Estamparia Beneficiadora de Tecido Victoria encerra suas atividades em 1964.
Neste ano, torna-se sócio-fundador da Associação Brasileira de Desenho Industrial (ABDI) juntamente com Décio Pignatari, Alexandre Wollner, Lúcio Grinolver e outros. Por cerca de um ano trabalha como diretor de divulgação da associação. Ainda em 1964 participa da série de conferências sobre desenho industrial do Fórum Roberto Simonsen, na Confederação das Indústrias, com a palestra ‘O desenho industrial na indústria brasileira’ (publicada posteriormente na revista Produto e Linguagem). Novamente em parceria com Fábio Penteado, projeta as estruturas modulares do teto da sede do Clube Harmonia em São Paulo (projeto parcialmente implantado).
Em 1965 participa como representante brasileiro da I Bienal de Arte Aplicada, em Punta del Este (Uruguai), e da coletiva Proposta 65, na Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), em São Paulo.
Durante os anos 60 Antônio Maluf realiza trabalhos na área de publicidade, como a criação de logotipos e de anúncios classificados. Entre eles, destacam-se os logotipos para as empresas De Maia 1964, para Província Imobiliária e para a escova de dentes Kiko, e anúncios para a linha de produtos agrícolas Agrafon, Creofon e Coldex.
1967-1969
Participa da IX Bienal de São Paulo em 1967. No ano seguinte, toma parte da I Bienal de Desenho Industrial no Rio de Janeiro.
Entre 1967 e 1968 produz padrões têxteis para a Coleção Rhodia.
Em 1968 realiza exposição individual na Galeria Cosme Velho, em São Paulo, na qual apresenta obras que utilizam tecidos de lã como suporte. Nesse ano assume a direção técnica da Galeria Seta, fundada em 1962 por Pedro Manuel Gismondi.
No ano de 1969 participa da sala geral da representação brasileira da X Bienal de São Paulo.
1970-1977
De 1970 a 1976 trabalha intensamente como marchand no eixo Rio-São Paulo. Organiza importantes exposições, como Surrealismo e arte fantástica, na Galeria Seta 1970, Octávio Araújo — 20 anos depois, no Masp 1972, Gravuras e objetos de Evandro Carlos Jardim, no Masp 1973, Ismael Nery — 1900-1934, no Masp 1974, Gravuras de Evandro Carlos Jardim, na Galeria Seta 1976.
Em nova parceria com o arquiteto Fábio Penteado, realiza em 1971 painel arquitetônico para o saguão de entrada do Tênis Clube de Campinas, São Paulo.
Em 1973 inaugura mural, baseado na obra Caminho sem fim, na entrada do prédio do Sindicato dos Motoristas em São Paulo, projetado pelo arquiteto Vilanova Artigas.
No ano de 1977 projeta painel em forma de progressões crescentes e decrescentes para a agência da Caixa Econômica de Bastos, no interior de São Paulo, construída por Fábio Penteado. No mesmo ano participa da exposição Projeto construtivo brasileiro na arte: 1950-1962, organizada por Aracy Amaral, na Pinacoteca do Estado em São Paulo e no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.
1984-2002
Nos últimos anos, paralelamente à sua atividade como diretor técnico do Escritório de Arte Seta, vem participando de importantes exposições coletivas como: Tradição e ruptura, na Fundação Bienal de São Paulo 1984; Projeto arte brasileira — Abstração geométrica 1 — Concretismo e neoconcretismo, na Funarte, Rio de Janeiro 1987; Construtivismo: arte cartaz, 40, 50, 60, no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC/USP) 1991-1992; Bienal Brasil século XX, na Fundação Bienal de São Paulo 1994; Arte construtiva no Brasil — Coleção Adolpho Leirner, no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM/SP) 1998; Década de 50 e seus envolvimentos, na Jô Slaviero Galeria de Arte em São Paulo 1999; Cotidiano/arte: o consumo — Metamorfose do consumo, no Itaú Cultural, em São Paulo 1999-2000; O Bardi dos artistas, na Galeria Marta Traba/Memorial da América Latina 2000; Brasil 1920-1950. De la antropofagia a Brasília, no Institut Valencià d’Art Modern (Ivam), em Valência, Espanha 2000-2001; Paralelos: arte brasileira da segunda metade do século XX em contexto — Coleção Cisneros, no MAM/SP 2002.
Trabalhos de Antônio Maluf estão presentes em importantes coleções de arte e acervos de museus, como as coleções Adolpho Leirner, Fábio Penteado, Reinaldo Abouchan e Paulo Vasconcelos e os acervos do Masp e da Pinacoteca do Estado, em São Paulo; na Coleção João Sattamini, atualmente no Museu de Arte Contemporânea de Niterói; e na Coleção Patrícia Cisneros, em Caracas (Venezuela).
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